O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2 DE JULHO DE 1993 3013

Ao lado das áreas de consenso- naturalmente desejáveis - terão sempre que coexistir áreas de conflito de opções,, e quem não compreender isto jamais será capaz de governar sem sofrer profundas desilusões.
E é esta consideração que me leva à abordagem d» segundo tema, o da conflitualidade democrática.
Recorrentemente se procura minar a credibilidade das políticas governativas - quando não mesmo a sua legitimidade-, invocando precisamente a contestação social que algumas delas provocam. Não deixa de ser curioso verificar mesmo uma estranha translação da crítica a essas políticas do Parlamento para alguns palcos sociais.
Em determinado momento, algumas oposições parlamentares - e digo mesmo «algumas» porque quero que fique bem claro no espírito dos Deputados desta Câmara, em particular do Sr. Deputado Adriano Moreira que, há pouco, falou sobre o tema de que não são todas - deixam de ser oposição centrada nas alternativas de projecto, para passar a ser oposição centrada nos focos de contestação social que se oponham ao projecto do Governo.
Para essas oposições, toda a contestação tem fundamento e razoabilidade - basta que os jornais a noticiem - e, inversamente, toda a política contestada está contaminada pela marca do maligno.
Não concebemos, pela nossa parte, que seja possível construir uma democracia sólida numa sociedade aberta sem áreas de conflitualidade. Só as sociedades totalitárias não têm conflitualidade. Ou antes, têm conflitualidade amordaçada e reprimida. Não temos da democracia a noção de que ela se esgota no acto eleitoral, fazendo tábua rasa dos novos problemas e solicitações que emergem nas sociedades desenvolvidas dos nossos dias, não previstos e não equacionados no momento das eleições. Mas não temos igualmente a noção de que os compromissos que estiveram na base da confiança e do mandato eleitoral são para esquecer e para postergar no dia seguinte as eleições.

Vozes d» PSD: - Muito bem!

O Orador: - Melhorar a qualidade da nossa democracia passa também pela admissão de níveis toleráveis de conflitualidade política e social e não pela sua diabolização, porque a sua diabolização conduziria, a prazo, à negação da própria democracia.
Creio que podemos afirmar que Portugal não tem hoje níveis de conflitualidade social e política superiores aos dos restantes países da Comunidade Europeia. Pelo contrário, e se atentarmos nas dificuldades que neste domínio são sentidas pelos nossos vizinhos, particularmente espanhóis, italianos e franceses, veremos que não há razões para a intranquilidade que atormenta algumas forças políticas.
Vizinho do problema da conflitualidade na nossa democracia é o problema da legitimidade política. Os equívocos que a este respeito ainda pairam em alguns sectores da nossa sociedade são, sem dúvida, um dos elementos perturbadores da vida política portuguesa.
Quem tem legitimidade para governar e executar as políticas? Quem tem legitimidade para fiscalizar o Governo, proceder à crítica sistemática da sua acção?
Podem ou devem membros do poder judicial entrar na disputa política, formulando críticas públicas a opções de carácter legislativo, fora do quadro da judicatura ou da fiscalização da constitucionalidade? Fará parte da função do Chefe de Estado criticar regularmente em público opções políticas do Governo, quase sugerindo, algumas vezes, a adopção de práticas políticas diferentes? É o Chefe de Estado portador, na sua função e no seu programa, de alguma legitimidade que aplique a adopção de políticas, seja de que carácter for, no domínio da governação? Podem inferir-se sem leviandade consequências de actos eleitorais desligados da legitimidade própria que subjaz a cada um deles? Exemplificando: Teria o PSD, só porque obteve nas eleições legislativas de 1991 uma esmagadora vitória em todos os concelhos do País, legitimidade para pedir a queda dos municípios socialistas, comunistas ou centristas, invocando que estava aí estabelecida uma alteração na correlação de forças das autárquicas de 1989? Afirmo que não.

Aplausos do PSD.

Com que leviandade se traçam então cenários de dissoluções parlamentares com base em hipotéticos resultados autárquicos que em nada têm que ver com a legitimidade governativa?
Todas estas perguntas tem hoje razão de ser, porque as confusões em torno do problema da legitimidade tem sido um dos elementos perturbadores do funcionamento do nosso sistema político. É para nós claro que são os partidos da oposição com assento parlamentar as principais portadores da legitimidade para criticar permanentemente as opções de política governativa e de lhes opor as suas próprias opções.
A assunção desta função por pane de outros órgãos e entidades não terá outra consequência que não seja a degenerescência das nossas instituições democráticas.
A principal responsabilidade de todos os agentes políticos, seja qual for o lugar de Estado que ocupem, estejam no Governo ou na oposição, é a de garantir a confiança nas instituições e no País.

Aplausos do PSD.

Essa confiança é particularmente necessária nos momentos de crise e não deve ser sacrificada à luta política.
Achamos, por isso, negativa a cultura da «sinistrose» que impera em alguns círculos, e que em nada tem que ver com a disputa político-partidária já que mina a credibilidade no País. Essa cultura de «sinistrose» levou, por exemplo, o líder do maior partido da oposição, bem recentemente, a anunciar alarmisticamente que a aceleração da crise económica em Portugal é a mais rápida da Europa, precisamente no mesmo dia em que prestigiadas organizações económicas internacionais afiançavam ser Portugal um dos poucos países da Comunidade Europeia que escaparia à recessão que nela se vive hoje.

Aplausos do PSD.

De facto, Deus nos livre, em certas ocasiões, dos «santos da casa». Há muitas maneiras de fazer mal ao País, e tanto mal pode fazer uma política incorrectamente conduzida pelo Governo, como afirmações irresponsáveis e alarmistas de um partido, sobretudo se ele é o maior da Oposição.
O Professor Agostinho da Silva escreveu que «limitamos Deus, atribuindo todos os males ao Diabo». Salvaguardadas as devidas distâncias, não devemos também aqui limitar a oposição atribuindo Iodos os males ao Governo.
O quarto problema não resolvido com que se confronta hoje a sociedade portuguesa - à semelhança do que sucede nos restantes países da Comunidade - é o problema da governabilidade, entendida esta no sentido que há alguns anos lhe foi atribuído por Norberto Bobbio, como a capacidade de os sistemas políticas darem satisfação e resposta.