3016 I SÉRIE - NÚMERO 91
nou-se num doloroso símbolo da irresponsabilidade dos erros do Governo na gestão do sector público e da própria irresponsabilidade dos gestores desse mesmo sector. As nomeações dos últimos gestores, aliás, partidariamente seleccionados, as suas mudanças, os seus percursos, os seus percalços, atingiram foros de autêntico escândalo.
No meio deste quadro sombrio, os economistas da maioria não se entendem nos diagnósticos e nas receitas, transmitindo intranquilidade ao sistema económico, pondo em causa opções - como a da adesão ao mecanismo de taxas de câmbio do SME- que o Governo sempre considerou inelutáveis. Chegou-se mesmo ao ponto de se eliminar administrativamente os sintomas da crise, proibindo a1 divulgação de estatísticas, com pretextos frágeis.
A administração fiscal está desmoralizada, tem mesmo sido erigida pelo Governo em bode expiatório da quebra de receitas ditada pela recessão, ao mesmo tempo que já alvo de medidas contraproducentes e limitadoras. À diminuição das cobranças fiscais, o Governo respondeu propondo a cadeia para os infractores, num sistema desequilibrado, injusto, em que nem a fiscalização nem os tribunais funcionam com um nível adequado de eficiência.
A agricultura está no estado conhecido. Já ninguém discute hoje que, apesar da sua importância nacional, social e económica, está longe de constituir uma prioridade deste Governo. No plano externo, o Governo quis protagonizar a reforma da PAC; sabia, no entanto, que não disporia de recursos internos para afectar, nos níveis admitidos pela Europa, às medidas de acompanhamento. Por falta de informação, por má informação, o Governo tem deixado instalar-se a própria ideia de que os agricultores devem queixar-se da Europa, procurando ocultar as deficiências da própria política nacional.
As dúvidas sobre a eficácia da utilização dos fundos avolumam-se; o conhecimento de escândalos está a deixar de ser um monopólio de um só político. Aumentam as angústias daqueles que foram vítimas de contradições chocantes. Já se disse aos agricultores: «invistam» e, agora, admite-se que sejam parasitas; «produzam» e, agora, pede-se-lhes que abandonem a terra; «endividem-se para se apetrecharem» e, agora, ensinam-lhes a pedir subsídios. Mas como pode pedir-se que a agricultura seja poupada num consulado governativo em que até deu prejuízo a instituição que gere o totobola?
Não se está seguramente melhor no domínio da saúde, da educação e da segurança social.
Na saúde, todos se interrogam sobre até onde poderá ir uma política exclusivamente preocupada com as meios, que não cuida dos objectivos e que produz a penalização ] paradoxal das unidades mais eficientes. O Sr. Primeiro-Ministro veio dizer que o Sr. Ministro da Saúde faz o que lhe é pedido. No dia em que tiver de demiti-lo, vamos lembrar-lhe que toda a responsabilidade foi assumida por si e vai, por certo, arrepender-se.
Na educação, queixamo-nos de que as gerações de estudantes vêm sendo sujeitas a um experimentalismo chocante, sem ordem nem coerência - demite-se um Ministro para acabar com a PGA e logo se nomeia Secretário de Estado o autor da sua invenção; adensa-se a preocupação de que a educação não tem identidade e de que os jovens estava ser educados para a irresponsabilidade.
Na segurança social, a crise financeira é preocupante e ninguém tem coragem de falar no futuro do seu financiamento.
Ao princípio, na vertente externa, aplaudimos o papel do Governo em Bicesse: parecia-nos que estava dado o primeiro passo para se compensarem os efeitos de uma descolonização desastrosa Agora, no entanto, Portugal parece abandonar substancialmente o seu papel de mediador, o único que serve os interesses portugueses, comprometendo-se política e materialmente com uma das partes do conflito e sendo abertamente rejeitado pela outra.
Não deixa de ser curioso, apesar de tudo o que se diga, que os maiores elogios à política do Governo sobre o conflito angolano tenham partido de Rosa Coutinho e de Otelo Saraiva de Carvalho.
Guardei propositadamente para o fim a rubrica do balanço a que chamaria o funcionamento do sistema político e instituições democráticas.
Tudo começou, nesta matéria, com a rejeição alarmista e agressiva do referendo sobre o Tratado de Maastricht: quaisquer que sejam os argumentos que lhe forneceram os juristas, quaisquer que fossem as preocupações com o zelo comunitário, o Sr. Primeiro-Ministro não poderá evitar que o responsabilizem- solidariamente com o PS. mais uma vez - pelo agravamento de um divórcio entre, a classe política e a nação.
Foram as forças de bloqueio, foi a querela inútil e perigosa com o Sr. Presidente da República, foi a proeza extraordinária de por os magistrados em greve, foram as crispações a propósito da corrupção, do segredo de Estado e dos ululares de altos cargos independentes. E todos, desde o Sr. Presidente da República aos referidos, foram votados pela maioria, escolhidas por ela ou colocados em função do seu contributo decisivo.
Em vésperas de eleições autárquicas alguns governantes não tiveram sequer pejo em aliciar gestores municipais com promessas de lavores de aparelho ou do Orçamento do Estado.
Caiu, enfim, o mito da estabilidade!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, não somos nós que dizemos que 1993 não foi um ano para recordar com agrado. São os estudantes e os professores, os funcionários, os empresários e os trabalhadores, os magistrados e as titulares de altos cargos independentes.
Não deixa de ser sintomático, em abono desta convicção, que o Governo comece a queixar-se dos próprios agentes económicos: são os agricultores que não se organizam e não querem modernizar-se; são os empresários que não se adaptam ou que, em certas zonas do país, têm gastos ostentatórios; são os trabalhadores que se não contêm nas suas reivindicações; são os estudantes que não têm consciência dos seus privilégios.
Alado a compromissos idênticos, vítima de subsistência de alguns preconceitos ideologias, trilhado por divisões, o Partido Socialista ainda não convenceu o país de que é uma completa alternativa. Esta, Sr. Primeiro-Ministro, formar-se-á a partir da força política que estabelecer uma relação mais próxima e identificada com o seu eleitorado, com quem puder transmitir uma maior capacidade de aproximação do poder ou de influenciá-lo nesta base.
Julgo, Sr. Primeiro-Ministro, que essa alternativa está a reforçar-se à sua direita e que o CDS-PP caminha seguramente para lhe causar algumas inquietações. As suas glórias passadas, cada vez mais distantes, serão recordadas insistentemente, por certo, mas passarão a ser o testemunho de uma era de declínio.
(O Orador reviu.)
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.