3204 I SÉRIE-NÚMERO 96
O problema da imigração e do asilo não se resolve com medidas que ignorem os direitos humanos. Essa é uma visão bárbara, tacanha, egoísta que, infelizmente, está a grassar na Europa e no mundo, onde os valores humanistas estão a ser postos em causa, mas em que o Papa a eles faz apelo, e onde os fundamentalistas islâmicos tentam aglutinar a vontade dos espoliados do progresso.
Ora, não seria o momento de Portugal, aproveitando a sua História e a sua experiência, tomar uma posição de primeiro plano como proponente, pela Comunidade Europeia, de medidas solidárias, humanistas e de acção concreta, na melhoria das condições económicas e sociais que estão na origem da imigração e dos pedidos de asilo? Esse sim, Sr. Ministro, seria o instrumento para lutar contra a imigração, não aquele de que o senhor se quer servir!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.
O Sr. José Lamego(PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, aquando da discussão do pedido de autorização legislativa, advertimo-lo da importância desta questão e criticámo-lo pelo facto de ter agendado esta matéria em conjunto com a que se referia a alterações ao Código da Estrada e ao regime das infracções fiscais aduaneiras para discussão apenas numa manhã. De facto, os senhores só atribuíram importância política a esta questão depois do veto político do Sr. Presidente da República e como elemento de uma estratégia de dramatização do conflito institucional. A partir daí é que esta questão assumiu outras dimensões.
Ora, uma vez que as considerações políticas já foram feitas, gostaria apenas de lembrar que na intervenção de fundo que nessa reunião o Sr Ministro fez não respondeu a qualquer questão fundamental que o Partido Socialista lhe dirigiu e entreteve-se a fazer uma dicotomia entre as pessoas que têm responsabilidade e as que se movem por motivos fúteis e diletantes e que tem uma política de completa abertura e de não consideraçâo da dimensão do problema.
Aproveito para lhe dizer, uma vez mais, que não é esse o caso do Partido Socialista e gostaria de perguntar-lhe se o Sr Ministro está consciente de que, contra o que disse, esta lei é manifesta e grosseiramente inconstitucional, nomeadamente na alínea e) do artigo 19.º
Com efeito, o Sr. Ministro limitou-se a reunir as sugestões legislativas do Grupo TREVI, amalgamou isso tudo numa proposta de lei infeliz e não se deu conta de que há uma garantia constítucional para o asilo na ordem jurídica portuguesa. Não se deu conta de tal e, por isso, se não alterar o artigo 19.º arisca-se a que esta lei vá parar ao Tribunal Constítucional e que lhe aconteça o mesmo que às outras leis, isto é, que «morra» lá!
Mais uma vez, quero dizer-lhe que, de facto, ao contrário do que afirmou, essa garantia constitucional do asilo permite-lhe apenas afastar o asilo por razões humanitárias, isto é, o asilo por razões humanitárias não está coberto pela garantia constítucional do asilo e é uma opção política do legislador, criticável ou não. mas está na sua disponibilidade suprimir ou manter o asilo por razões humanitárias do ponto de vista constítucional. Pode fazê-lo. O que não pode fazer é redigir o artigo 19º desta maneira e consagrar este tipo de processo acelerado, porque isso é uma violação grosseira da Constituição. Realmente, esperava que, depois das advertências que aqui fizemos, os seus assessores jurídicos o tivessem alertado para esta questão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP) - Sr Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, quero aqui reafirmar a nossa discordância frontal e completa com a política que em relação aos estrangeiros e à imigração vem sendo seguida pelo Governo. Devo dizer que não consideramos que o Governo tenha acordado tarde, mas que acordou mal para este tipo de problemas, com uma orientação completamento errada, que viola os interesses nacionais Assim, passo a explicar o meu entendimento sobre esta matéria e a questioná-lo.
Em minha opinião, o essencial destas medidas contidas nesta proposta de alterações à lei do asilo é a sua inserção no quadro de um conjunto de medidas tomadas a nível comunitário, o qual tem um significado preciso.
Em primeiro lugar, estas medidas são constituídas pelo próprio Acordo de Schengen, com toda a sua filosofia de «Europa-fortaleza»
Em segundo lugar, pela Convenção de Dublin, aqui tão levianamente ratificada com o nosso voto contra,...
O Sr Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - matriz que implicava estas alterações ao conteúdo material do direito de asilo, consubstanciada ainda também nas alterações à própria lei de estrangeiros, tal como foram aqui desenhadas com os famosos centros de acolhimento, chamados justamente de campos de concentração à portuguesa, cuja inconstitucionalidade foi já suscitada junto do Tribunal Constítucional.
Em terceiro lugar, ainda por actuações concretas do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), que são escandalosas pela sua dimensão e significado e têm sido praticadas nas fronteiras portuguesas, particularmente contra brasileiros De facto, não se pode deixar de. registar o que tem sido feito contra os cidadãos brasileiros, pelo escândalo e repercussões negativas que têm tido no relacionamento com o Brasil.
Esta posição do Governo em relação ao asilo representa, no essencial, o completo seguidismo que o Governo assume em relação aos interesses dos países do Centro da Europa, particularmente da Alemanha Estas medidas que o Governo está a tomar contra os estrangeiros representam uma decorrência da forma como está a ser construída a Europa, são a opção política do Governo na sua participação na forma como está a ser construída a Europa, e têm um conteúdo manifestamente xenófobo e racista que envergonha o Estado português E digo racista fundadamente. porque o relacionamento essencial que existe com os estrangeiros, em Portugal, passa por cidadãos provenientes de países em relação aos quais se põe o problema do racismo e da xenofobia que o Governo fomenta com esta política.
A verdade é esta - quando o Governo, persistentemente, como ainda hoje o Sr Ministro aqui fez, diz que o problema que os estrangeiros colocam em Portugal é o da segurança, o que é que o Governo está a fazer17 Está a dizer publicamente aos portugueses para terem cuidado com os estrangeiros; está a fomentar sentimentos que não existem na sociedade portuguesa, sentimentos de xenofobia
E mais, os senhores, por vezes, aparecem a dizer coisas como esta: «é preciso limitar, é preciso fazer aprovar esta lei para que não haja problemas de racismo e de xenofobia, em Portugal». Sr. Ministro, o que é que isso quer dizer? Quererá o Sr. Ministro dizer que para que não naja