19 DE AGOSTO DE 1993 5211
Se são é nosso dever moral, político e constitucional conceder-lhes asilo; se não são a lei em vigor permite denegar-lho.
Assim sendo, a que título de urgência, a despesa acrescida, o incómodo, o desassossego?
E cedo concluíram que a urgência fazia parte do número. E que a insuficiência da lei em vigor fazia parte de uma estratégia que nada tinha a ver com a telenovela, antes constituía o último sintoma de uma doença grave.
Efectivamente, para além dos argumentos históricos, afectivos e políticos, que aqui e além foram aflorando, a nossa Constituição garante aos estrangeiros e apátridas, verificados que sejam determinados pressupostos factuais - que o impetrante terá de provar - o direito de asilo.
E garante-lho com a força e o significado de que rodeia os direitos, liberdades e garantias fundamentais!
Não custou ao Presidente encontrar no proposto decreto, nem nos custa a nós encontrar na agora proposta de lei - apesar das depurações sofridas que ainda preservaram pelo menos uma clara inconstitucionalidade - erupções pragmáticas que não respeitam o desenho constítucional daquela tão importante garantia.
Importante, antes de mais, para o ideal democrático e a sua realização temporal. Acolhendo os que combatem pela democracia, a libertação social e nacional, a paz entre os povos, a liberdade e os direitos da pessoa humana, respeitamos e exaltamos este valores.
Colocando a garantia constítucional e o correspondente dever político e moral à margem das exigências constitucionais, dissolveríamos a garantia em faculdade e o direito em favor.
A convocação extraordinária da Assembleia tem também os contornos de um ajuste de contas o Presidente tem vetado mais diplomas do que aqueles que caberiam na compreensão do Governo e da maioria que o apoia.
Quando ocorre que o Tribunal Constítucional não dá razão ao Presidente, o Governo e a maioria que o apoia faz constar que o Presidente perdeu. Quando lha reconhece, a reacção é outra: Tribunal e Presidente são forças de bloqueio, não deixam governar o Governo, nem trabalhar o Primeiro-Ministro!
Esperava-se e isso confirmou-se - que, a seguir ao veto político do diploma sobre o asilo, o Governo e a maioria se arriscavam a ver declarados inconstitucionais, após veto do Presidente, mais quatro importantíssimos diplomas. Não por inadvertência, visto que em todos os casos se trata de inconstitucionalidades óbvias, mas porque este Governo e a maioria parlamentar que a ele se reconduza sobrepõem o voluntarismo político ao respeito pelos constrangimentos do Estado de Direito. E não é que pelo menos uma das inconstitucionalidades em causa foi ditada por ódio pessoal persecutório e que todas, incluindo essa, bem como os defeitos do diploma do asilo, se revestem do mesmo sinal político e são sintomas de uma perversão de idêntico sentido?
De que se trata então? Pois de afunilar o regime, minimizar a democracia, desvia-ía progressivamente do que é - o regime da vontade de uma oligarquia política, quando não de um homem só.
Eu sei que, formalmente, continua a não ser assim, mas, na essência, é para isso que tende.
Esta política de funil e esta síndrome reducionista das exigências democráticas, quando começam, tendem para o próprio requinte, por isso não surpreende que, após oito anos de regime cada vez mais monocolor e monopolítico, sejamos hoje um país governado por uma orquestra em que só toca o regente!
É dele o fiat e o no fiat de tudo quanto acontece; é dele o palco; são dele os discursos que dão o tom: «Ataque-se o Presidente!». E logo a claque se desdobra a qualifica-Io de excessivo, interventor, oposição única, e a reclamar, com vista à próxima revisão constítucional, a sua eleição pelo Parlamento (lá se ía toda a garantia da separação de poderes) ou a redução dos seus poderes, nomeadamente a extinção do «odioso» veto - no fundo, o que se detesta é a própria Constituição como travão ao laisser faire político da actual maioria!
Por vezes, os tenores exageram: o regente levanta a batuta e logo se faz silêncio.
«Ataque-se o Engenheiro Guterres!» - e logo o coro dos peregrinos dos corredores do poder se ergue a recusar-lhe estatura, acutilância, incapacidade estrutural de se afirmar como alternativa. O PS tem uma larga experiência governativa e legislativa? Não importa! Não é alternativa! O PS obteve nas últimas eleições 30 % dos votos, mais do que Cavaco Silva em 1985, mais do que a maioria das alternativas europeias? Não importa! Não é alternativa! Guterres já levou o PS, nas intenções de voto, a ultrapassar o PSD? Não importa! Não é alternativa! O chefe disse que não é e não é!
Até agora era assim só nas legislativas, mas desta vez a aflição é tanta que vai a todas. Nos fins de semana anda num virote: o discurso de Faro teve honras de meia hora de televisão, com intermitências - impostas a um bom filme! - à espera do pedacinho de ouro da palidónia, que acabou por não haver.
Em esforçada tentativa de salver o fracasso, o vice-presidente repetiu a dose: mais meia-hora de tempo de antena à hora nobre do dia mais nobre. A RTP esforça-se e cumpre - não tanto os contemplados por ela.
Alguém se lembra aí dessa velharia em desuso que é o Estatuto da Oposição?
Esta reunião tem, pois, os contornos de um desforço.
Formalmente, tudo se passará como a Constituição exige, mas quem viver verá que a mensagem a difundir será seguramente esta: «O Presidente teve de engolir a vontade do Governo!». E não faltará quem acredite nisso. Quando um Governo quer enganar o povo, encontra sempre quem queira ser enganado.
Uma última motivação - que não falta nunca por detrás dos afectos políticos criados por este Governo -, o propósito de desviar as atenções dos reais e preocupantes problemas com que o País se debate. O expediente é tão velho como a política: criam-se poios de fixação da atenção colectiva, assim a desviando das evidências que de outro modo as cativam.
E é assim que este Governo, depois de ter gasto sete anos a gabar-se da situação folgada que o País viveu, atribuindo a si mesmo os mentos da conjuntura, se esforça agora a apagar os sinais da crise - alterando os critérios de avaliação e manipulando os resultados - e sobretudo a sua responsabilidade por ela, que inteiramente imputa a factores exógenos e de conjuntura, quando é certo que em grande medida são endógenos, de estrutura e seus.
Depois de ter adiado o conhecimento dela até ao lado de lá da impossível recusa, empenha-se agora em reduzi-lo e deturpá-lo, na expectativa panglossiana de uma retoma a tempo de convalidar as suas mentiras.
O nosso sector produtivo está fendo de morte - lamento ter de referi-lo aqui, mas está! E ferido de morte por razões complexas, entre as quais a de não ter sido medicado a tempo. As terapêuticas automáticas do mercado não o salvarão, por mais que se acredite nelas. Mais provável é