12 I SÉRIE - NÚMERO 1
vernasse e tivesse de suportar a dor da decisão difícil ou impopular.
Aplausos do PSD.
Percebe-se porquê: só fala assim quem sabe de antemão que não governará. Foi um gosto ouvi-lo na televisão para perceber a cartilha da política das facilidades.
Vamos ao que diz: é preciso mais dinheiro para a educação? Tira-se dás estradas, que seja, da rubrica dos transportes. Há problemas de acessibilidade nas grandes áreas metropolitanas? Quer transportes em coroa e diz ele: investe-se na ferrovia, ou seja, aumenta-se nos transportes onde antes se diminuirá. É a chamada soma de resultado zero, ou seja, «tudo como dantes, quartel-general em Abrantes»!
Aplausos do PSD.
Vê o PS, num discurso do Ministro das Finanças, no qual se aludia à necessidade de baixar as taxas de juro, interpretando assim o sentimento da comunidade empresarial, uma alegada pressão sobre e o Banco de Portugal? Cai o Carmo e a Trindade porque o Governo interfere com a autonomia do banco central. Mas quer o líder do PS instituir o rendimento social mínimo (aquilo a que os liberais chamaram o imposto negativo) e não sabe onde vai buscar o dinheiro? Que faz ele então? Diz que baixa num ponto as taxas de juros- interferindo, ele sim, aqui, claramente, na autonomia do banco central, pois só este pode proceder à sua redução, e nunca o Governo por via administrativa.
Fala-se da situação económica do País? O líder do PS diz que é catastrófica. Fala-se do aumento de salários? Ele quer que sejam avultados e luzidios. Mas se a situação do País é catastrófica, os salários não podem aumentar de forma avultada; se o podem, como ele pretende, então é porque a situação do País não é
tão catastrófica como diz!...
Aplausos do PSD.
E por aí adiante, num nunca acabar de exemplos onde a contradição posterior é sempre maior do que a anterior. Com o líder do PS, como dizia S. Agostinho, «quantas são as medicinas, tantos são os tormentos».
Tem uma explicação esta sua atitude, que o leva a falar mais depressa do que pensar numa fúria de vendedor de bacalhau a pataco, prometendo para amanhã o céu a cada português: e essa explicação reside na sua incapacidade de resistir a tentar satisfazer qualquer reivindicação ou exigência que venha expressa na comunicação social. Aliás, a sua política vive de e para a comunicação social, e não para o País que gostaria de governar. Hoje, os reparos, as notícias, os relatos, as entrevistas, os comentários da comunicação social são o «alfa» e o «omega» da política do líder do PS. Ele não respira e não existe sem a comunicação social. Ela o chama, ele se move; ela o guia, ele a segue; ela o critica, ele se confunde; ela o elogia, ele se eleva; ela o ata, ele se deixa prender.
Aplausos do PSD.
E nesse torvelinho arrasta o desorientado partido que comanda, vendo em cada acto eleitoral que espreita na esquina do mandato o porto seguro das suas ambições. E o partido que comanda investe também em turbamulta: solta-se a gula do resultado eleitoral; desfere-se a ira contra o adversário mais próximo; liberta-se a demagogia face ao cidadão indefeso e por fim desbarata-se o próprio siso.
A quem tanto oferece quando tem tão pouco para dar, deve opor-se renitente desconfiança.
À generosidade do líder do PS tem que responder-se com reserva, como no exemplo antigo de Alexandre Magno perante o filósofo Diógenes. A história é conhecida: estava este sentado à porta da sua cuba quando o visitou aquele grande imperador da Antiguidade, oferecendo-lhe que, pedisse tudo o que quisesse, que logo ali o satisfaria com o seu imenso poder e capacidade. Alexandre Magno achava que tinha tudo, mas não tinha a lealdade do sábio, que desconfiava dos excessos de voluntarismo do poder. Â resposta do filósofo foi como se segue: «Peço-te que me não tires o que me não podes dar». E aquilo que Alexandre Magno lhe tirava naquele momento e não podia dar era a luz do sol, que o tapava com a sua sombra numa manhã de Inverno.
Também ao líder do PS, que tudo oferece aos portugueses, se lhe solicita modestamente que lhe não retire, neste momento difícil, o que lhe não pode dar. E o que lhe não pode dar é bom senso, político e realismo para reagir com sucesso à adversidade dos tempos que atravessamos.
E com isto passo à terceira questão, a questão eleitoral, e à qual não vou fugir.
O nosso sistema constitucional institui-e bem! - diversos níveis de poder e responsabilidade políticas, aos quais correspondem igualmente diversos critérios de legitimação democrática.
Do princípio do equilíbrio do poder resulta a existência de um Presidente da República, eleito por sufrágio universal, que não anula nem substitui a legitimidade governativa; do princípio descentralizador resulta a existência de um poder local autónomo, que é eleito e responde perante as comunidades locais pela sua acção, rompendo um longo período de centralização autoritária do poder ern Portugal; do princípio da participação de Portugal nas instituições europeias resulta uma eleição para o Parlamento Europeu; do princípio representativo resulta a existência de um Parlamento pluripartidário, com base na confiança (ou desconfiança), do qual se constituem (ou caem) os governos.
Assim se escreveu na Constituição, e assim está bem! E tudo está bem porque desta forma as legitimidades eleitorais não se confundem, evitando-se com isso a instabilização crónica da vida política.
Toda a legitimidade é legitimidade para um fim e todos também sabemos qual o fim de cada acto eleitoral. Fossem esses fins coincidentes ou sobreponíveis e seguramente que o legislador constitucional não teria pedido quatro eleições, mas apenas uma, da qual decorreria a escolha para todos aqueles órgãos.
Nem sempre foi assim na política portuguesa, mesmo depois da revolução. Nem sempre o critério de legitimação resultou de uma específica eleição democrática, mesmo após o 25 de Abril. Nos tempos do PREC e do verde-gaio fardado, a morte ou a vida dos governos decidia-se quase sempre na rua, nos palácios, nas tertúlias, nos jornais, nos quartéis, nos incidentes do percurso, e quase nunca nas eleições. Assim Portugal se tornou, durante alguns anos, o paraíso dos governos fresquinhos, à la carte, acabados de confeccionar entre dois bocejos e uma intriga.
O tempo passou, o País amadureceu, as instituições ganharam raízes, os costumes políticos civilizaram-se e a vida seguiu o seu rumo.
Mas eis que de novo, aqui e ali, alguma demagogia infrene faz com que aflorem tentativas despudoradas do regresso ao passado. O absurdo e o disparate subiram para níveis assustadores, ao ponto de algumas almas atormenta-