8 DE JANEIRO DE 1994 821
te em branco, pronunciámo-nos na devida altura e em relação ao qual tivemos ocasião de apresentar cerca de 50 propostas de alteração que esta Câmara nunca debateu.
Conhecemos, agora, com o Decreto-Lei n.º 278/93, de 10 de Agosto, mais uma investida na senda de um neoliberalismo que não se ocupa - nem se quer ocupar - da desigualdade real dos cidadãos, que considera igualdade aquela que é meramente formal, que reserva para o Estado, como alguém já o escreveu, uma atitude de serena indiferença perante a vida social - a preguiçosa tarefa de árbitro de conflitos de interesses individuais. É mais um verdadeiro ataque àquilo a que se chama direito social que, pouco a pouco, se vai esvaziando completamente de conteúdo. 15to acontece com o contrato de arrendamento paralelamente, aliás, ao que sucede com o contrato de trabalho.
Esta atitude conduz a situações absolutamente iníquas. De
facto, relativamente a este diploma não pode falar-se se
não de iniquidade. Desde já deve esclarecer-se, contra a
proverbial demagogia usada pelo Governo, que do diploma não resulta qualquer obrigação de colocar no mercado
de arrendamento as casas que fiquem devolutas em virtude das acções de despejo que, seguramente, com o mesmo, vão inflaccionar os nossos tribunais.
A filosofia do diploma é bem outra. Em primeiro lugar, permite quaisquer aumentos de rendas deixando de existir os limites que, em nome da garantia de habitação, já conhecíamos desde 1914, passando pelo Código Civil de 1967. Agora, diz o Governo, hipocritamente e com a vista humildemente no chão posta, as partes são livres de convencionar o regime de actualização anual das rendas. Mas que liberdade de resistir a actualizações brutais existe para aquele que necessita de habitação, que não tem meios e vive num limiar de pobreza? A mesma, seguramente, que se reconhece no trabalhador coagido a aceitar a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, diz-se.
Em segundo lugar, o diploma abusa da falta de informação jurídica dos cidadãos privados dessa informação por omissão de medidas que assegurem o acesso ao direito. Sabendo, como aliás é público e notório, que a grande maioria dos cidadãos carenciados, quando têm direito à transmissão do arrendamento por morte do inquilino, ignoram que têm de comunicar a morte no prazo de 180 dias, e deixam passar este tempo, o Governo coloca nas mãos dos senhorios uma forma expedita de ficarem com os prédios devolutos e de não se transmitir o arrendamento. E fácil, simples, é o ovo de Colombo. 0 decreto-lei diz que, passado este prazo, o direito à transmissão caduca e é assim que podemos ver despejados viúvas e viúvos, filhos, ainda que menores, enfim, aqueles que, segundo o regime do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, que a tanto não se aventurou, mantinham, mesmo assim, apesar de passado o prazo, o direito à transmissão.
Em terceiro lugar, o Governo acaba por inutilizar, na grande maioria dos casos, o direito à transmissão do arrendamento. Filhos, netos, ascendentes quando com as idades definidas no artigo 87.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, podem ser facilmente despejados através dos mecanismos previstos neste diploma, pois o senhorio pode preferir a denúncia do arrendamento.
Assim, um jovem que viveu numa casa, durante muitos anos até talvez 26 anos -, vê-se subitamente com uma carta no bolso que lhe anuncia que o seu senhorio pretende denunciar o contrato. Que lhe resta fazer? Resta-lhe desistir e sair da casa, por não poder oferecer mais do que a renda condicionada, e ir em busca de um quarto ou de um subarrendamento, ou então uma jogada de poker, oferecendo uma renda que, de antemão,, sabe que não pode pagar para ver se consegue receber uma indemnização mais choruda. Com o que se arrisca a que o senhorio, calculista e bem sabendo que a renda proposta é incomportável para o inquilino, aceite, majestaticamente, para conseguir depois o despejo sem indemnização por falta de pagamento de rendas.
Em quarto lugar, o diploma que, propositadamente, se apresenta tecnicamente como lei aleijada - e basta ver o conceito de residência, quer forçar o abandono de habitações, levando as pessoas a uma maior ocupação dos tempos de lazer, com deslocações em transportes para o trabalho, e vem negar o direito a uma segunda residência para tempos de lazer ou por motivos de saúde. E vem também impor aumentos de rendas, através de rendas condicionadas, em casos, por exemplo, de separação de facto, quer de casados quer daqueles que vivem em união de facto, e mesmo em certos casos de divórcio.
E como a prática habitual é a de o arrendamento estar em nome do homem e como, normalmente, é a mulher que permanece na casa, é sobre esta que recairá o aumento da renda.
Mas, de facto, tudo isto resulta do artigo 81.º-A, que consagra algumas previsões para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto ou para a própria localidade. E passo a dar alguns exemplos.
Assim, um trabalhador residindo em casa arrendada em Setúbal e aí trabalhando, se tiver conseguido construir uma casa na Costa da Caparica ou em Mafra, para aí passar os fins de semana, férias e feriados, verá aquela renda - a da casa onde reside - aumentada para renda condicionada, se não terá de ir viver para a Costa da Caparica ou para Mafra e deslocar-se para o trabalho em Setúbal.
Um trabalhador que, residindo em Setúbal, numa casa arrendada, e trabalhando lá, por motivos de saúde da mulher e por determinação médica, tenha arrendado uma casa em Sintra, onde instalou a mulher e filhos, onde se desloca sempre que pode, verá aumentada para renda condicionada, pelo menos, a renda da casa de Setúbal, se não também a da casa de Sintra.
Um trabalhador da Função Pública, residindo em casa arrendada em Lisboa e aí trabalhando, se for destacado em comissão de serviço para Setúbal, verá a sua renda aumentada para renda condicionada. Se este mesmo trabalhador for trabalhador por conta de outrém e aceitar um contrato a prazo para trabalhar, por exemplo, na Ford Volkswagen, em Palmela, e arranjar outra residência em Setúbal, para não esgotar os seus tempos de lazer em transportes, verá a renda da casa de Lisboa, para onde terá de voltar terminado contrato a prazo, aumentada para uma renda condicionada.
Se um casal unido pelo casamento se separa e o marido, em nome de quem está o arrendamento, vai viver para outra casa na mesma localidade, a ex-mulher terá de suportar uma renda condicionada. Se o mesmo casal, ainda vivendo na mesma casa, se divorcia litigiosamente, sem que se defina a atribuição do direito ao arrendamento, e o cônjuge marido, titular do mesmo, vai residir na mesma localidade para outra casa, passando a ter duas residências, a mulher terá de passar a suportar um aumento de renda, que será condicionada.
Se um casal vivia em união de facto, havendo um filho menor de ambos, e se separa, saindo o pai de casa que tinha arrendado em seu nome, para ir viver noutra casa na mesma localidade, a mãe do menor terá de pagar, da pensão de alimentos que receba para o filho, uma renda condicionada.
Se João vive em Almada numa casa arrendada, aí trabalhando, e é proprietário, há mais de 5 anos, de uma casa