12 DE MAIO DE 1994 2303
sam incluir informações de carácter proibido, designadamente de carácter ético, político, racial ou outras constitucionalmente vedadas e legalmente proibidas. Esta tarefa é ingente, enorme e os elementos da Comissão têm escassos meios para isso e ainda que assim não fosse teriam enormes dificuldades para levar a cabo as suas competências legais.
De facto não as têm, dispondo de um quadro legal, ele próprio, carecido de densificações, regulamentações e desenvolvimentos. Esses desenvolvimentos têm faltado, apesar da Lei n.º 10/91 ser razoavelmente precisa quanto às tarefas de desenvolvimento e de regulamentação. Por exemplo, a lei prevê, no seu artigo 44.º, que os responsáveis dos serviços públicos que mantenham ficheiros automatizados, bases ou bancos de dados pessoais elaborem e proponham superiormente no prazo de seis meses um projecto de regulamentação tendo em conta as disposições da lei, seis meses esses contados boamente a partir da produção da Lei n.º 10/91. Esses seis meses, contados mesmo da maneira lusitanamente mais dilatada, já foram largamente ultrapassados, com a maior indiferença de dezenas e dezenas de serviços públicos, que não submetem à CNPDPI os projectos de regulamentos que estão vinculados a apresentar.
Por outro lado, Sr. Presidente, assumamos esta verdade: Portugal só tem neste momento bases de dados em situação ilegal ou quase ilegal. E porquê? Como a lei prevê que as mesmas sejam submetidas a fiscalização e autorização da CNPDPI e estas submissões não são feitas, não podendo, pois, aquela Comissão fazê-las, temos de assumir que vivemos, por um lado, em anomia e, por outro, em ilegalidade perigosa. Essa ilegalidade é perigosa quando olhamos para o sector público e pensamos, por exemplo, nas massas de dados de carácter financeiro e fiscal que podem ser melindrosamente acedidos com violação das regras de protecção dos nossos direitos; esses direitos ou esses valores também estão em perigo quando entidades privadas recolhem, tratam e disseminam milhões de dados de carácter pessoal sobre a vida privada, a situação financeira ou sobre outros elementos, incluindo os relativos a aspectos criminais. Essa situação de proliferação de dados verifica-se em sectores sensíveis, tanto do sector privado como do público. Quanto ao sector público, há dois tipos de considerações que neste momento é importante trazer a debate para Plenário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a Lei n.º 10/91 previu um determinado contexto, que, entretanto, se alterou. Ela é anterior ao Tratado de Maastricht e à assunção, por Portugal, de vinculações no quadro dos acordos de Shengen. A verdade é que o Tratado de Maastricht e os Acordos de Shengen têm implicações significativas neste domínio.
Por um lado, há, como V. Ex.ª sabe, Sr. Presidente, uma directiva em elaboração quanto à protecção de dados pessoais, que é um texto complexo, cuja feitura se tem arrastado, mas é natural que ela venha a prever a protecção tantos dos dados pessoais informatizados como dos dados contidos em ficheiros manuais. É sabido que entre nós muitas entidades com alguma habilidade (embora aqui não haja fiscalização, portanto a actuação seja de mãos livres) utilizam a técnica subtil, consistente de ter em bases de dados, informatizadas pois, referências que conduzem a informações contidas em ficheiros manuais. Entendem assim, com aquilo que qualificam como subtileza, que, não tendo em bancos de dados nenhum dado sobre convicções políticas, religiosas e outros dados cujo tratamento informatizado é proibido, cumprem a Constituição e a lei no preciso momento em que, na nossa leitura, as defraudam e violam. Esta técnica de ter de um lado ficheiros manuais com toda a espécie de dados, em certos casos porventura um tanto pidescos, e do outro um banco de dados para gerir as referências e chegar a elas é um ardil, sem qualquer subtileza, mas que, no entanto, é utilizado.
É por causa desse ardil, desses ardis e das entidades ardilosas de carácter público ou privado que no âmbito comunitário se pensa que a directiva de protecção de dados pessoais deve protegê-los a todos, quer estejam em ficheiros electrónicos quer estejam em ficheiros manuais. Isso vai obrigar, até por força da convenção europeia que também subscrevemos, aprovámos e discutimos, a estender o âmbito da protecção concedido pela Lei n.º 10/91, alargamento esse que encaramos com prazer e bons aupícios. O problema não está aí! O problema é que decorre de Maastricht a criação da EUROPOL e das vinculações comunitárias a existência de um serviço europeu de informações.
Tanto os serviços policiais como o serviço europeu de informações vão ter bancos de dados e está já em criação o Sistema de Informações de Schengen, que é, hoje, a matriz, um sinal e princípio de concepção dessa massa comum europeia de informações sensíveis. Segundo constou publicamente, a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados tem feito perguntas a esse respeito, o que é positivo e necessário.
No entanto, estamos longe de, na ordem interna, termos encarado todos os instrumentos que é necessário criar para tutelarmos os direitos fundamentais num contexto de internacionalização.
Se as polícias podem trocar ficheiros e informações, inclusivamente através de recurso a técnicas modernas, ficheiros esses não apenas com dados textuais mas também com imagens e sons - o que hoje é possível fazer através das próprias linhas telefónicas correntes, mesmo não digitalizadas, mesmos analógicas, e será ainda mais possível num contexto de auto-estradas electrónicas europeias -, repito se as polícias tudo isso vão poder fazer é preciso que haja controlos para que tenhamos todos a certeza de que nessas auto-estradas electrónicas haverá não apenas circulação de dados legítimos mas garantias de que essa circulação se faz nas melhores condições de protecção das liberdades dos cidadãos. Auto-estradas electrónicas sem protecção electrónica dos direitos dos cidadãos significaria uma grande vulnerabilidade à devassa, em condições que a nossa imaginação não é ainda inteiramente capaz de conjecturar.
O quadro em que a Lei n.º 10/91 foi feita alterou-se e é preciso projectar na ordem interna as cautelas e as garantias necessárias. O Grupo Parlamentar do PS acha positivo que durante esta manhã, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, se tenha estabelecido consenso, como aqui referiu o Sr. Deputado António Filipe, no sentido quer de aprovar por resolução o Regulamento que aqui é trazido pela Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados quer de fazer por instrumento legislativo as clarificações necessárias quanto aos poderes dessa Comissão no tocante aos cidadãos. Isso dar-nos-á, Sr. Presidente, a possibilidade de, por um lado, reafirmar que a Lei n.º 10/91 é para cumprir e, por outro,