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240 I SÉRIE - NÚMERO 8

tortura, seguindo-se, na sua esteira, numerosas outras convenções internacionais e leis internas no mesmo sentido; mas, por outro lado, a prática da tortura alastrou através do mundo, atingindo, como refere a Amnistia Internacional, as proporções de uma verdadeira epidemia.
E, escândalo dos escândalos, na Europa, após a queda do Muro de Berlim e o fim dos goulags e quando a aurora de uma nova ordem internacional deixava prever um grande avanço ético da humanidade, que nos distanciasse de vez do universo concentracionário da primeira metade do século, onde a tortura era utilizada em termos sistemáticos, eis que na ex-Jugoslávia a tortura, através das mais horrendas e abjectas práticas, reaparece em força como método de limpeza étnica ao serviço das políticas racistas.
Mas, não só na ex-Jugoslávia, também um pouco por toda a parte a tortura ressurge frequentemente com o apoio do poder político. Segundo a Amnistia Internacional, em 1993, a tortura continuou a ser praticada em 110 países.
Como combater a utilização da tortura? Através de instrumentos jurídicos e do seu aperfeiçoamento, do que a Convenção sobre a tortura e as emendas agora propostas são exemplo; por intermédio de uma acção pedagógica intensa, visando a redução da violência generalizada dos nossos tempos - de que a tortura é, na realidade, um subproduto; através da acção promovida pelas organizações internacionais, governamentais e não-governamentais; e pela perseguição e punição dos seus fautores, quer a nível nacional, quer internacional, quando possível. E, a este respeito, há que fazer um apelo para que o tribunal para a condenação dos crimes de guerra na ex-Jugoslávia, instituído pela Resolução n.º 827/93, de 25 de Maio, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, já instalado em Haia, possa funcionar efectivamente, o que actualmente não acontece por falta de recursos financeiros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na Declaração Final da Conferência Mundial de Viena sobre os Direitos Humanos, de Junho de 1993, depois de se salientar o facto de a tortura ser uma das mais atrozes violações da dignidade humana, exorta-se os Estados a porem-lhe imediatamente fim através da cabal aplicação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, das convenções aplicáveis e, quando necessário, do reforço dos mecanismos existentes.
A resolução em análise obedece precisamente a este desiderato. Por essa razão, o PSD vai votar a favor.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A tortura é, como se sabe, uma prática lamentavelmente existente em muitos países, pese embora o seu carácter aberrante e atentatório da dignidade mais profunda do ser humano e as inúmeras declarações, as mais das vezes algo formais, no sentido da erradicação da sua prática sistemática ou ocasional. Diremos, como Spinellis, que a prática da tortura não é nova nem exclusiva deste ou daquele sistema político, regime, cultura, religião ou lugar geográfico.
No entanto, é hoje pacificamente aceite o carácter indigno das práticas torcionárias, podendo afirmar-se que estamos imersos num período de luta contra a tortura. Em Portugal, à semelhança de outros Estados, têm vindo a ser previstas e adoptadas medidas que tornem efectiva a interdição da tortura. No nosso ordenamento jurídico assume particular relevo a consagração constitucional da interdição da tortura, constante do n.º 2 do artigo 25.º, no qual se refere: «1 - A integridade moral e física das pessoas é inviolável; 2 - Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanas».
Este mesmo princípio encontra-se reflectido noutros preceitos constitucionais, nomeadamente no n.º 6 do artigo 32.º, onde, no que respeita às garantias do processo criminal, se consagra a nulidade das provas obtidas mediante tortura, coacção ou ofensa à integridade física ou moral da pessoa. Na mesma preocupação se insere o artigo 27.º, sobre o direito à liberdade e à segurança e, consequentemente, a disciplina da prisão, a aplicação da lei criminal, os limites das penas e das medidas de segurança e o habeas corpus, todos consagrados no nosso texto constitucional. Estes preceitos constitucionais encontram-se reflectidos e desenvolvidos, entre outros, no Código Penal, no Código de Processo Penal, na legislação sobre medidas privativas da liberdade e no que respeita às medidas de polícia.
A Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, assinada por Portugal em Fevereiro de 1985 e ratificada em 21 de Maio de 1988, entrou em vigor no nosso País em 11 de Maio de 1989. Embora da ratificação da Convenção, bem como da Convenção do Conselho da Europa sobre esta matéria, ratificada em 20 de Fevereiro de 1990, não resultasse a necessidade de proceder à introdução de alterações no ordenamento jurídico interno, uma vez que os princípios nelas consagrados já se encontram fortemente enraizados entre nós, as medidas legislativas que acabámos de referir, bem como aquelas que venham a ser adoptadas, pautar-se-ão, necessariamente, pelos princípios já enunciados. A adesão a instrumentos de direito internacional, como o que agora é objecto de emendas, constitui ainda garantia da adopção e cumprimento destes mesmos princípios entre os Estados partes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As Emendas à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que o Governo ora submete à vossa elevada consideração, foram adoptadas pela Conferência dos Estados Partes, em 9 de Setembro de 1992, e consistem na alteração dos seus artigos 17º e 18.º, mais concretamente na supressão do n.º 7 do artigo 17.º, do n.º 5 do artigo 18.º e no aditamento de um novo n.º 4 ao artigo 18.º - como teve ocasião de explanar brilhantemente o Sr. Deputado António Maria Pereira. Os números que ora se visa suprimir prevêem que sejam os Estados a suportar os encargos com os respectivos peritos e no que respeita ao aditamento ao artigo 18.º estabelece-se que os membros do Comité recebam emolumentos provenientes dos recursos financeiros das Nações Unidas.
Estas alterações, ainda que visando exclusivamente aspectos processuais remuneratórios de peritos, constituem - estamos certos - um reforço na luta efectiva contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, permitindo ao Comité dispor dos meios materiais necessários à execução das suas atribuições e enfatizam, também, como teve ocasião de dizer o Sr. Deputado António Maria Pereira, o empenho das Nações Unidas no sentido de suportar encargos que, até ao momento, eram suportados pelos Estados membros. Assim, na sede da luta contra a tortura, há um real empenho das Nações Unidas em virem a cobrir as despesas que hoje são suportadas pelos Estados membros. Julgo que esta é uma medida altamente emblemática, que se reveste de extrema importância.