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4 DE NOVEMBRO DE 1994 243

Cito, por exemplo, o caso da ex-Jugoslávia, região que talvez conheça melhor que o Sr. Deputado António Maria Pereira pois conheço praticamente a totalidade da República, dado lá ter estado várias vezes e conhecer os seus povos. Mas esta insistência reflecte precisamente essa tendência e essa falta do sentido de medida é expressiva da paixão política.
Quanto à questão, que acho importante e que referi, de estabelecer uma espécie de campeonato para saber qual era o menos mau em matéria de tortura, se o século XX ou o século XIX, e mesmo tendo citado nomes ilustres como Voltaire - e folgo muito que seja um leitor de Voltaire e de Jean Jacques Rousseau -, considero também que aí há uma inverdade histórica.
Não vou entrar em pormenores, mas se o Sr. Deputado, e uma vez que fala do século XIX, quer saber, devo dizer-lhe que nesse século, após a famosa rebelião dos sipaios na Índia, o exército indo-britânico, o governo geral da Índia traçou quadrados com meio metro de lado em salas enormes e obrigava os prisioneiros indianos a lamberem o chão até ficar a brilhar. Para mim, isto e um exemplo de tortura.
Também não se fala que, na América do Sul, a República chilena massacrou cerca de 70 ou 80 % dos índios na sua marcha para o Sul, o mesmo acontecendo com a ditadura de Rojas, e já falei no genocídio dos índios no século XIX. São incontáveis os exemplos de barbárie!
É evidente que seria faltar ao sentido de medida se agora, no pouco tempo de que disponho, fosse aqui fazer uma larguíssima exposição sobre crimes cometidos e actos de tortura na desaparecida União Soviética, que são reais, e talvez, mais do que o senhor, também porque conheço melhor o país, até tenha escrito sobre esses temas. Mas penso é que este não é o local adequado.
Sr. Deputado António Maria Pereira, a sua obsessão pelos hospitais psiquiátricos - citou-os - fez-me sorrir, porque acabei de chegar de uma visita a Moscovo, integrado na Comissão Política da Assembleia Parlamentar da UEO, e, com surpresa minha - refiro esse facto porque citou muito o escritor Soljenitsyne, que até tem algum talento literário e tem alguns livros em que se pode reconhecer esse talento, embora a obsessão desse escritor não seja a questão dos crimes -, aconteceu um fenómeno que acho que interessa a esta Assembleia: é que a situação, infelizmente (ao dramática, nesse grande país levou a que, na semana passada, quem foi fazer o discurso, que se poderia chamar de discurso sobre o estado da União, não foi o chefe de Estado, não foi o primeiro-ministro, mas foi o escritor Soljenitsyne que foi recebido em Moscovo e aí fez um discurso em que chamou tudo aos Deputados, desde «malandros», «bandidos», «vão para casa», «são todos uns canalhas». Por isso, o que diz o escritor Soljenitsyne não pode nunca ser entendido como verdades absolutas!...
Tenho a dizer, Sr. Deputado, para terminar, que as suas observações não invalidam em nada aquilo que eu disse. Mantenho que, ao seu relatório, falta sentido de medida, sem que isto envolva em nada as nossas relações humanas, que são muito cordiais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: As emendas que o Governo hoje vem propor à Assembleia da República, respeitante à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, tratam sobre matéria de emolumentos.
A questão é de mera intendência legislativo-parlamentar a dirimir entre os cofres dos Estados partes na Convenção e os cofres da ONU, os quais agora respondem pelo pagamento dos membros do Comité contra a Tortura.
Espera-se, e julga-se, que a solução seja sábia e tanto mais se ela contribuir para que o Comité contra a Tortura, criado pela Convenção contra a Tortura da ONU - tal como entidade equivalente do Conselho da Europa -, dê particular atenção e inquira sobre eventuais práticas delituosas cometidas nos Estados membros de «torturas, sofrimentos físicos ou mentais infligidos intencionalmente a uma pessoa», com fins diversos e à margem de eventuais sofrimentos resultantes de sanções ilegítimas.
Não se estranhará que Portugal, tendo ratificado a Convenção contra a Tortura da ONU em 9 de Fevereiro de 1989, não tenha cumprido o prazo de um ano para apresentar o seu relatório inicial e só o tenha feito em Maio de 1993. É, como se vê, a eficácia de um Governo de sucesso, no caso mal sucedido em matéria de diálogo com as instâncias internacionais e, no caso, ainda, com mau cumprimento dos seus deveres perante a comunidade internacional.
Mas não são esses deveres de elaboração de relatórios os únicos em falta. Em Novembro de 1993, o Comité contra a Tortura analisou o relatório elaborado, com três anos de atraso, pelo Governo português e, nas suas conclusões, congratulou-se com os esforços do Governo para aplicar a Convenção, lamentando que, apesar desses esforços, «continuasse a haver maus tratos e por vezes tortura nas esquadras de polícia». Também criticou os frequentes atrasos e demoras dos inquéritos a tais alegações e considerou que os responsáveis nem sempre são entregues à justiça. Foi ainda apontado que esta situação, bem como a leveza das sentenças aplicadas às pessoas condenadas por tortura e maus tratos, criaram «uma impressão de relativa impunidade para os autores destes crimes, a qual e altamente prejudicial à aplicação do disposto na Convenção».
Anote-se que, pela informação do último relatório da Amnistia Internacional (publicado, entre nós, em Julho de 1994 e referente ao ano de 1993), «Todos os relatos de tortura e maus tratos se reteriam a pessoas que tinham sido detidas sob suspeita de terem cometido delitos criminais. Agentes de todas as forças policiais foram acusados de maltratar detidos: PJ (Polícia Judiciária); Polícia de Segurança Pública (PSP); Guarda Nacional Republicana (GNR) e Serviços Prisionais.
Em muitos casos, os queixosos foram libertados sem serem inculpados, tendo as formas mais comuns de maus tratos sido pontapés repetidos, murros, joelhadas, pistoladas e espancamentos com casse-têtes. Na maioria dos casos, as alegações de tortura e tratamento cruel foram apoiadas por depoimentos independentes de natureza médica e forense e, em muitos deles, os queixosos foram levados pelos funcionários que os detiveram a receber cuidados médicos, durante o período inicial que passaram em detenção.
Como nos diz, de forma conclusiva, a Amnistia Internacional, num relatório especial sobre a tortura em Portugal, elaborado em Outubro de 1993 - e aqui, naturalmente, não se trata de Auschwitz, nem de Buchenwald, nem de Goulags, nem da ditadura portuguesa, mas trata-se da situação actual em Portugal -, foram iniciadas investigações judiciais sobre queixas apresentadas em tribunal, mas na experiência da Amnistia Internacional «estas foram extremamente