244 I SÉRIE - NÚMERO 8
morosas, frequentemente sem profundidade e muitas vezes inconclusivas (...). Muito poucas investigações judiciais sobre alegações de tortura e maus tratos terminaram com a instauração de processos a funcionários e encarregados da aplicação da lei. Nos raros processos em que um funcionário foi julgado culpado, a sentença dada pelo tribunal não foi mais do que insignificante».
Não há, em Portugal, estatísticas oficiais que registem o número de queixas, torturas e maus tratos apresentados ou transmitidos às autoridades judiciais, sabendo-se mesmo que muitas das vítimas de crimes, em geral não recorrem aos meios judiciais para a defesa dos seus direitos. Mas em 1985, aquando' da assinatura da Convenção contra a Tortura da ONU, só ratificada em 1989, uma comissão de inquérito do Ministério da Administração Interna, do Ministério da Justiça, do Provedor de Justiça e da Comissão Geral da PSP identificou, nos primeiros seis meses desse ano, 166 queixas contra agentes da PSP e no inquérito do Provedor de Justiça, iniciado em Dezembro de 1992, foram seleccionadas 32 queixas individuais de «actos de violência contra pessoas, detenção e abuso de poder por parte de agente policiais», num período de cerca de dois anos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 11.º da Convenção atribui a cada Estado parte o dever de manter sob «revisão sistemática as regras e procedimentos dos interrogatórios e as disposições relativas a supervisão da detenção e tratamento das pessoas detidas e presas» e o artigo 12.º exige que o «Estado parte vigia por que as autoridades competentes procedam imediatamente a um inquérito imparcial cada vez que haja motivos razoáveis para crer que um acto de tortura tenha sido cometido sob território sob sua jurisdição».
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Temos fundadas dúvidas quanto ao cumprimento destas obrigações e à sua eficácia. Como diz, ainda, o relatório da Amnistia Internacional «muitas queixas têm sido rejeitadas por falta de provas. E isto aparentemente tem sucedido mesmo em casos em que o queixoso recebeu ferimentos graves. Com frequência os funcionários têm dito que os presos tentam escapar, opuseram resistência à prisão ou que provocaram ferimentos em si mesmos».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se é certo que o último relatório respeitante à tortura, no âmbito da Convenção contra a Tortura da ONU, foi apresentado pelo Estado português, em 1993, ao respectivo Comité e só decorridos quatro anos o Estado português está taxativamente obrigado a apresentar novo relatório com novas medidas eventualmente adoptadas, seria desejável e útil para o trabalho desta Assembleia que o Governo se comprometesse, hoje e aqui, a apresentar um relatório, também nesse âmbito, e, proximamente, à Assembleia da República, que constituísse uma informação actualizada sobre esta questão, a qual urge e não existe, que constituiria, certamente, um elemento significativo de confiança no Estado de direito e na defesa de direitos fundamentais dos cidadãos.
Ora, é em nome do Estado democrático que o poder político exerce e este estende-se a todas as instituições que o integram, numa rigorosa escala de responsabilidades e exigências.
As forças policiais e de segurança não podem ser nunca algo que se oculte por detrás dos postos de entrada das esquadras policiais e à margem da legalidade.
O Sr. Miranda Calha (PS): - Muito bem!
O Orador: - E em nenhuma circunstância pode ser exibida uma lógica hierárquica interna e regras disciplinares, corporativas ou castrenses, que protejam um difuso espírito de corpo que se sobreponha ao respeito pelos valores essenciais da dignidade humana e da salvaguarda dos direitos fundamentais.
As suspeitas sobre actos de tortura e desumanos praticados por agentes policiais, suspeita levantada por entidades de indiscutível credibilidade pública, nacional e internacional, merece, por isso, aprofundamento e inquérito, bem como esclarecimento público consistente e tempestivo, até para defesa, no caso, da função policial, que todos devemos defender num Estado democrático.
Não são, por isso, admissíveis em qualquer caso quaisquer perturbações aos direitos dos cidadãos, sobretudo nos momentos e lugares onde, pela sua natureza, os cidadãos estão mais fragilizados, porque têm de enfrentar o exercício legítimo da autoridade.
Mas quando esta autoridade se coloca à margem da lei, termina definitivamente a sua legitimidade e entra em cena o crime. E este não pode ter lugar num Estado de direito. A democracia portuguesa exige clarificações a este respeito e espera-as, naturalmente, do Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, julgo que V. Ex.ª fez um discurso com alguma contradição. Penso que partiu do princípio correcto de que, segundo as regras do Estado de direito, está pressuposto a separação de poderes e, como tal, cabe ao Governo legislar e cabe ao poder judicial executar e aplicar as penas.
Sendo certo também que, e como bem disse há pouco o Sr. Deputado António Maria Pereira, se há algo que, nesta questão de tortura, distingue - e distingue claramente um Estado de direito e um Estado totalitário - o Estado de direito é o facto de a tortura ou o tratamento desumano ser excepcional e ser punível pela lei - a lei ordinária do Estado. Enquanto num Estado totalitário - e foram dados vários exemplos nesse sentido - há como que uma prática sistemática de tortura ou tratamento desumano.
O que o Sr. Deputado fez, agarrando-se ao relatório das Nações Unidas que tem ao seu dispor, foi dizer que houve alguns casos, pressuposto que foram participados à autoridade judicial e que a autoridade judicial aplicou penas relativamente ligeiras ou brandas ou arquivou os processos.
Ora, na minha perspectiva, julgo que o que é manifestamente significativo para o bom funcionamento do Estado de direito é que as autoridades legítimas e democráticas portuguesas mal tenham conhecimento de que há algum indício da prática de um acto menos adequado, participam de imediato a quem de direito. E isso tem sido feito. Muito subsequente é a aplicação da lei e a aplicação do direito pelas instituições judiciárias E aí os tribunais são absolutamente independentes, como é o Ministério Público. Portanto: ou arquivam, ou punem de uma forma elevada, ou punem de uma forma ligeira.
Por isso mesmo - e é este o meu pedido de esclarecimento -, julgo que o Sr. Deputado Alberto Martins foi, de alguma forma, contraditório, porque parece que quis imputar ao Estado português, ao Governo português, o facto de as autoridades judiciárias aplicarem penas ligeiras ou absolverem os responsáveis