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4 DE NOVEMBRO DE 1994 241

(O Orador reviu).

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Secretário de Estado, a sua intervenção, sendo juridicamente correcta, é politicamente decepcionante. E é-o sobretudo porque V. Ex.ª, limitando-se a falar nos emolumentos e na importância da Convenção contra a Tortura, não vem aqui esclarecer o que seria relevante esclarecer, isto é, por um lado, as recomendações do Comité contra a Tortura, relativamente a torturas e maus tratos verificados nos estabelecimentos prisionais portugueses por parte da Polícia Judiciária, da PSP, da GNR e das polícias prisionais e, por outro, qual o sentido que, em resposta a esta medida, tem tido o inquérito mandado instaurar pelo Provedor de Justiça à Polícia Judiciária e ate qual a razão por que Portugal, tendo ratificado a Convenção em 1989, apenas passados quatro anos faz o seu relatório, a cuja entrega estava obrigado no ano imediato.
Assim, as considerações teóricas de V. Ex.ª são correctas, como é correcto o discurso jurídico, mas o discurso político é caracterizado por omissões decepcionantes, escondendo os problemas reais dos maus tratos verificadas em Portugal, quer nos estabelecimentos prisionais quer nas esquadras portuguesas, designadamente - o que foi dito pela Amnistia Internacional no seu último relatório, de 1994 - quanto ao facto de em Portugal não se cumprir rigorosamente o Estado de direito.
A esse respeito, V. Ex.ª disse nada e era altura para dizer alguma coisa a esta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, agradecendo-lhe desde já o pedido de esclarecimento que me formulou, recordo-lhe que o pedido de ratificação que o Governo apresenta à Assembleia da República tem como epígrafe e como razão de ser, face às competências da Assembleia da República e do Governo: «emendas ao artigo 17.º, § 7.º, e artigo 18.º, § 5.º, da Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
Portanto, este pedido de alteração a esta Convenção cifra-se e centra-se exactamente nas alterações destes artigos que, como teve ocasião de dizer, são alterações efectivamente pontuais embora, como referiu o Sr. Deputado relator e eu próprio, dê uma ênfase e uma tónica, que julgo ser de relevar, no sentido de as Nações Unidas cada vez se empenharem mais no tratamento e na forma como vêm encarando todos os problemas relativos à tortura.
Descendo ao seu epíteto - disse que foi uma intervenção juridicamente correcta -, desde já o agradeço e acrescento que não concordo que a minha intervenção tenha sido politicamente decepcionante porque julgo que não viríamos aqui fazer como que o estado geral da situação dos relatórios da Amnistia Internacional...

O Sr. Miranda Calha (PS): - Nós convidámo-lo!

O Orador: - ...pois haverá outras sedes, haverá outros locais para o fazer. É óbvio, no entanto, que o Governo está sempre disponível, nomeadamente na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para discutirmos esses temas - e temo-lo feito.
Aliás, posso referir-lhe que sempre que a Amnistia Internacional, nomeadamente nas áreas que citou, dos estabelecimentos prisionais ou da Polícia Judiciária, referiu casos, nós próprios, ou já tínhamos levantado os inquéritos ou processos crimes ou levantámo-los imediatamente. Portanto, os relatórios da Amnistia Internacional, no tocante ao Governo e em particular ao Ministério da Justiça, nunca tiveram a falta de receptividade que, de alguma forma, tentou referir na sua intervenção. Somos particularmente atentos a esses relatórios mas, por vezes, também acontece - e acho bem que se diga isso aqui nesta Casa - que esses relatórios são repetidos durante três e quatro anos sendo os mesmos casos, que, aliás, o Governo esclareceu em devido tempo.
Todavia, esta é uma questão que quero que fique meridianamente compreensível. Nunca, mas nunca, esquecemos qualquer resposta que deveríamos dar às entidades que têm competência nesta matéria, pois a nossa linha foi sempre a transparência e, quando foi caso, tentámos e imprimimos sempre os instrumentos jurídicos para apurar, incriminar e punir esses eventuais prevaricadores.

(O Orador reviu).

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP votará favoravelmente a proposta de resolução n.º 70/VI.
Estamos perante uma iniciativa que suscita consenso. O objectivo visa permitir que o Comité incumbido de zelar pela Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes possa cumprir melhor a tarefa para a qual foi criado pelas Nações Unidas.
Mediante emendas a dois artigos da referida Convenção pretende-se apenas que as despesas do Comité sejam transferidas dos Estados membros para a Organização das Nações Unidas. A medida impunha-se. A prática demonstrou que as actividades do Comité são muitas vezes prejudicadas pelo facto de alguns Estados em cujo território a tortura continua a ser uma realidade não pagarem as contribuições financeiras.
Srs. Deputados, o combate à tortura é indissociável do combate à hipocrisia. Vinte e dois séculos transcorreram desde que o imperador mauria Ashoka, na Índia, proibiu por decreto a guerra e a tortura. Mas elas continuaram e expandiram-se. Há dois séculos a Revolução Francesa declarou-a banida para sempre. Finda a última guerra mundial, a Declaração Universal dos Direitos do Homem voltou a proibir a tortura. A decisão foi regulamentada por convenções internacionais e leis internas dos Estados membros das Nações Unidas.
Nem por isso a tortura acabou. Continua a ser uma trágica presença no mundo contemporâneo. Para terem boa consciência, governantes e juristas de Estados que a si mesmo se qualificam de civilizados costumam afirmar que a prática da tortura está hoje, com raras excepções, confinada em áreas atrasadas do Terceiro Mundo. Não é verdade. Tal atitude reflecte uma mentalidade farisaica.