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1684 I SÉRIE - NÚMERO 49

nadas, da luta contra a violência ou da defesa do ambiente. O que é politicamente correcto é convocar a sua voz, a voz das mulheres, nestes domínios, num exercício normal de cidadania, e é isso que, normalmente, nestes dias, nesta Casa, não se faz e é também isso que, normalmente, nos outros 364 dias, não é feito.

Aplausos do PSD e do PS.

E, no entanto, pergunto-me: poderemos falar de cidadania, quando nos referimos às mulheres portuguesas?
A resposta - como, porventura, a pergunta - incomoda gente civilizada. É que, como género, e nas várias camadas sociais por que se desenvolvem, há diferenças significativas entre o estatuto dos homens e o das mulheres. «Metemos a cabeça na areia», mas a realidade é exactamente essa. Há diferenças significativas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a todos os níveis, até ao nível político, concretamente entre os eleitos desta Casa.
São elas, as mulheres, em geral, as grandes destinatárias da violência. Constituem o universo dos mais sobrecarregados pelas tarefas familiares. São potenciais candidatas a mais situações de dependência e de trabalho precário.
Mas, depois, curiosamente, há um outro lado do espelho. É aquele que nos mostra que representam, já hoje, mais de 40 % da população activa, cerca de 60 % dos estudantes universitários, metade dos portadores de habilitação superior e mais de um terço dos magistrados e dos dirigentes da função pública.
Ou seja, o retrato é muito assimétrico: na sociedade civil, está-lhes sendo reservada, a um tempo, a pior e a melhor parte, a pior e a mais promissora. No plano dos recursos humanos, o seu potencial é, hoje, imenso e determinante. No plano estático do dia 8 de Março de 1995, que vivemos, a sua situação está muito longe de ser feliz.
Paradoxalmente, raiam, em muitos casos, a marginalização, a exclusão social e a pobreza e as mulheres são também mais atingidas.
É verdade que, aparentemente, são distintos os problemas da carência social e os da carência de protagonismo essa palavra nova, o protagonismo político - e parece até haver um fosso entre eles. Há quem diga que não gosta de misturar as questões da intervenção das mulheres na política e as do seu estatuto social. Utilizando uma expressão de alguém, há quem diga que é o mesmo que misturar mexilhão e caviar e que, em primeiro lugar, é preciso atender àquilo que é mais grave, ou seja, não nos preocuparmos com o caviar. Não sou dessa opinião. Penso que só aparentemente é que estes problemas não se casam. É que se mais mulheres decidirem politicamente - nas autarquias, no Parlamento, no Governo - maior será a hipótese de atenção aos problemas sociais que as atingem, a elas sobretudo. Se mais mulheres preparadas decidirem, mais mulheres com pouca força, pouco protagonismo e pouca voz poderão ter cidadania consistente em Portugal.
A experiência de outros países demonstra bem a vantagem de existirem mais referências de autoridade feminina. Um exemplo simples demonstra-o bem: a virtualidade de ser confrontado com um legislador ou um aplicador do Direito feminino, uma legisladora ou uma aplicadora do Direito, em crimes violentos, pode ser dissuasora da sua prática. Às vezes, tenho pena - e permitam-me, nesta ocasião comemorativa, o desabafo - de que sobre a violência falem principalmente, nesta Casa, os homens, pois 80 % dos cidadãos destinatários de violência são sobretudo criaturas do sexo feminino. É que bem se sabe como é aguda e adequada a justiça de quem tem uma sensibilidade própria para fenómenos específicos e até que ponto isso pode determinar a justeza da decisão. Uma juíza pode ser uma voz de autoridade; uma legisladora pode ser uma interlocutora preferencial de uma cidadã carente.
Dito por outras palavras, a incorporação das mulheres no processo de tomada de decisões não é hoje - e isso seria já bastante! - um absoluto imperativo democrático - somos 50 % de homens e 50 % de mulheres, pelo que temos direito a falar em uníssono. Não é apenas isso e não é apenas disso que se trata. Nem o incremento da participação das mulheres terá o significado de uma generosa concessão de partilha do poder político - generosa concessão, naturalmente, de quem o detém. É, muito mais do que isso, um factor determinante para o desenvolvimento e para o encontro de respostas políticas adequadas à complexidade do tecido social dos nossos dias. Sem mais mulheres decisoras, não haverá desenvolvimento adequado em Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados- Neste Dia Internacional da Mulher, não me parece, pois, adequado circunscrever o discurso. A causa política da participação das mulheres integra-se na causa da humanidade, como escreveu, há muitos anos, Sofia de Mello Breyner Anderson, e das estratégias para o seu progresso e harmonia. E, sendo assim, ocorre-me, antes, fazer duas observações muito rápidas: uma pequena homenagem a mulheres do passado e uma breve referência a cidadãos do presente.
Em primeiro lugar, uma pequena homenagem a cidadãs do passado, aquelas que, na 1.º República, trabalharam pelas primeiras reformas democráticas e a quem iniquamente foi recusado o direito de votar, usadas pela política e erradicadas por ela.
Uma homenagem também àquelas que, no Estado Novo, receberam o estigma da recondução ao foro privado, da relegação para o trabalho doméstico ou para profissões socialmente desvalorizadas, consagração de uma ideologia que nos marcou - e pergunto se não marcará ainda - com um ferrete difícil de extirpar. A actividade pública, foro da legitimidade masculina, a vida privada, foro da concessão feminina. Progrediremos muito pouco enquanto não invertermos esta situação.
Vinte anos de democracia, que tantos fantasmas e injustiças da ditadura esconjuraram, não o fizeram ainda devidamente neste domínio, embora, certeiros e eficientes, o tenhamos feito no plano legislativo. Pertenço a uma geração que já o pôde desejar em 1974 e que se interroga ainda pelos entraves a uma mudança mais rápida, considerando-a um imperativo.
Mas quero ainda fazer uma segunda referência, aquela a que me referi há pouco, aos cidadãos do presente. Um presente que dicotomiza, no género, trabalhadoras, de um lado, e decisores, do outro.
As mulheres são os licenciados portugueses em crescendo e a política ostraciza-as, em Portugal, de uma forma obstinada, desrazoável e preocupante.
Suponho terem hoje os militantes partidários a obrigação de afirmar a desconformidade social e o desajustamento democrático de uma presença obscura e misteriosa de menos de 8 % de mulheres no exercício de cargos autárquicos, nos órgãos executivos e nesta Casa, a Mátria da democracia representativa. Aliás, devo dizer que me incomoda profundamente que, no órgão por excelência da democracia representativa, as mulheres tenham tão poucas oportunidades de acesso e tão parcas condições de protagonismo. Suponho termos a obrigação de convocar, neste domínio, a nossa humildade colectiva, enquanto políticos. Se