27 DE ABRIL DE 1995 2213
se manter-se-á para que em próximas discussões - e algumas haverá, até por nossa iniciativa - se possa pronunciar sobre elas.
Primeira questão: o arquivamento de processos-crime, em Portugal, ascende a taxas inaceitáveis. Se tivermos presente o fenómeno, que os criminologistas sublinham, de que as próprias polícias muitas vezes desencorajam os participantes de apresentar as suas denúncias e se tivermos presente a taxa de participação - sobre a qual podemos depois trocar impressões - verificamos que, em Portugal, há anos em que 72% dos processos-crime são arquivados e comarcas onde cerca de 40% dos processos são arquivados sem qualquer diligência. Pelo menos em certas categorias de crimes isto é incontroverso 3 resulta de depoimentos unânimes, graves e concordes de magistrados. Como é que V. Ex." explica as percentagens de 72% de arquivamentos e que medidas tomou para combater esta situação que concorre anomalamente para a sensação de impunidade dos infractores?
Segunda questão: os estudos revelam que a fase de investigação dos crimes é hoje mais morosa do que Há uns atrás, a ponto de os ganhos estatísticos que V. Ex.ª sempre sublinha na fase de julgamento serem absorvidos pelo alongar da fase de investigação. É isto que consta de um estudo, que, por iniciativa de V. Ex.ª, podemos utilizar de há uns meses para cá no diagnóstico da justiça. Que medidas foram tomadas para enfrentar esta situação e que diagnóstico faz V. Ex.ª deste alongar da fase de investigação?
Terceira questão: para além do alongar da fase de investigação, verifica-se também, nos últimos anos, que nos processos-crime em que mais de cinco anos medeiam entre a data da prática do crime e a data do julgamento existe uma multiplicação mais do que superior ao crescimento do número de processos-crime. Em quatro anos, esses processos, que duram mais do que cinco anos entre o momento da prática do crime e o momento do julgamento, subiram mais de 50 %; passaram da casa dos 5000 processos para a casa dos 8000 processos, o que, em Portugal, e dado o número de julgamentos nesta matéria, é uma elevadíssima percentagem. Como explica isto, Sr. Ministro, e que medidas tomou?
Temos, depois, um outro traço alarmante na realidade portuguesa: em Portugal, o número de arguidos em processos-crime, com idades compreendidas entre os 1 e os 21 anos, triplicou em três anos, o que significa que há uma anomalia gravíssima nesta matéria.
Que diagnóstico faz V. Ex.ª desta matéria e, sobretudo, que medidas tomou?
Mas isto não se passa só em relação aos jovens! De uma forma geral, o início das carreiras delinquentes está a agravar-se em Portugal. Em quatro anos, verificamos que o número de arguidos condenados pela segunda vez sobe da casa dos 4000 para a dos 8000, o que representa um aumento da ordem dos 80%. Isto significa que há um conjunto de carreiras delinquentes que, segundo tudo indica, está a aumentar e a radicar-se na sociedade portuguesa! Que análise faz V. Ex.ª e que medidas tem tomado acerca desta progressão, que é extremamente preocupante?
Há um outro ponto que concorre enormemente para a sensação de impunidade. Como V. Ex.ª sabe, há anualmente inúmeros mandatos de captura que não são cumpridos, que há um saldo anual de mandatos de captura emanados dos tribunais que aumenta, que não são cumpridos.
Numa comarca obtivemos a informação, a partir de elementos de forças policiais da dependência do Sr. Ministro da Administração Interna, que, por ano, há um saldo líquido negativo de 800 mandatos de captura que não são cumpridos. Só numa comarca, Sr Ministro!... Isto significa que, neste aspecto, há uma situação altamente preocupante. Como é que V. Ex.ª diagnostica a situação de paralisia que existe neste domínio?
Mas, se ficarmos só na área estritamente judicial, temos, na sociedade portuguesa, um enorme número de pessoas que se subtraem, de maneira persistente, à justiça, e esse número vai aumentando. Está V. Ex.ª em condições de dizer qual o número de pessoas que, até ao momento, foram declaradas contumazes pelos tribunais? Pode a sociedade portuguesa saber não só o número de mandatos de captura que não foram efectivados como o número de pessoas declaradas contumazes que não chegaram a apresentar-se nos tribunais e que permanecem numa situação de fuga à acção da justiça ao longo destes anos?
Finalmente, passo a referir-me à amnistia, Sr Ministro. Não voltarei a debruçar-me sobre uma série de aspectos relativos a esta matéria que já nos ocupou no passado, mas quando foi aqui discutida a amnistia apelámos para que, no futuro, se fizesse um reexame muito sério que começasse por um inventário rigoroso dos efeitos desta amnistia.
Hoje estamos em condições - ou pensamos que o Ministério da Justiça estará - de demonstrar ao País o que é que resultou desta amnistia. Não podemos ver, sem consequências, as polícias que estão sob a dependência do Sr. Ministro da Administração Interna dizerem que a culpa do aumento da delinquência, da criminalidade, é das amnistias.
O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Não podemos admitir que isto continue, sem consequências! Portanto, o que queremos saber com rigor, Sr. Ministro, é quantos reclusos saíram das prisões por força desta amnistia e quantos perdões foram decretados em simultâneo, quantos desses reclusos já regressaram às prisões e que análise faz o Ministro da Justiça deste conjunto de consequências.
A este respeito, a decisão do Partido Socialista foi a de que não tomaria posição sobre essa amnistia sem ouvir primeiro o responsável da pasta da Justiça. E não tomaremos posição a favor de nenhuma amnistia se o responsável pela política da Justiça não nos disser que a sua política é consistente e compatível com uma amnistia desta natureza e que não vê inconveniente em que ela seja decretada.
Tomámos esta posição, expressa em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, e eu próprio disse - e faço questão de recordá-lo aqui -, no primeiro momento e perante a iniciativa do Sr. Presidente, que, pessoalmente, não sustentava nem apoiava a ideia de uma amnistia comemorativa. E porque a posição do meu partido veio a ser a de aderir a esta solução, com essa prévia condição, a de o titular da pasta esclarecer se, sim ou não, essa amnistia era aceitável e congruente do seu ponto de vista político, acho fundamental que o País saiba hoje quantos reclusos saíram, quantos regressaram e qual é a análise que, finalmente, o Ministério da Justiça faz desta matéria.
E se, como V. Ex.ª disse no princípio, o debate não oferece as condições para um esclarecimento cabal destes problemas e destes dados, que eu gostaria que V. Ex.ª confrontasse, estamos preparados para debatê-los numa próxima oportunidade, porque, Sr. Ministro, o País precisa menos de retórica e de literatura e precisa mais de enfrentamento dos problemas reais, com informações reais.