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2218 I SÉRIE - NÚMERO 68

Ainda há mais quatro pedidos de esclarecimento, que vão ser feitos de seguida.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, algumas das perguntas que queria fazer-lhe já o foram por outros colegas meus. No entanto, sobre aquela cifra negra, não podemos aceitar a sua explicação, porque no texto do Prof. Boaventura Sousa Santos, no volume de litigação penal, capitulo VI, a págs. 64, são claros os números...

O Sr. Ministro da Justiça: - É que esses números não têm a ver com o índice de criminalidade mas somente com o funcionamento!

O Orador: - Dizem respeito à não participação. Mas não vale a pena ler este texto, porque V. Ex.ª conhece-o.
Quanto à segunda questão, referida aqui constantemente por V. Ex.ª, relativa ao nosso sentido de voto aquando do pedido de autorização legislativa sobre o tráfico de droga, o Sr. Ministro deve estar lembrado que colocou aqui o problema de aumentar a pena em relação às associações de malfeitores, às associações de traficantes, e não ao traficante de rua, e aí estávamos, e estamos, de acordo. O problema é que, depois de feita esta lei, não apareceu rigorosamente nenhuma associação. V. Ex.ª pode dar-me o exemplo de alguma associação de narcotraficantes que tenha sido encontrada ou caçada pela Polícia Judiciária ou por qualquer autoridade do País? É que aquela lei está ainda sem objecto! E o que é que sucedeu? Sucedeu que, quem ficou mais aliviado, foi o traficante de rua, de retalho, o pequeno dealer, aquele que anda atrás dos meninos de escola, etc.! É isso o que estamos a dizer. Quer dizer, na prática, a moldura penal de aumentar a pena para o traficante ficou reduzida para o traficante retalhista, o pequeno traficante, e aumentou para o consumidor. Porque, se o que essa lei tinha em mente era atacar as associações de narcotraficantes, ela ficou sem efeito, já que não conseguimos «apanhar» nenhuma delas. É isso o que se passa na prática e daí o sentido do nosso voto. Portanto, V. Ex.ª não pode dizer que votámos unanimemente uma lei para diminuir a pena ao narcotraficante e aumentá-la ao consumidor. O que dizemos é que, na prática, essa lei conduziu a este resultado, porque não conseguimos encontrar qualquer associação de narcotraficantes, a quem o pedido de autorização legislativa se dirigia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, o meu pedido de esclarecimento é suscitado pelo facto de o Sr. Ministro afirmar - e já não é a primeira vez que o faz - que o PCP se absteve na chamada nova lei da droga por discordar da punição do consumo. Creio que essa afirmação não é rigorosa e gostaria de recolocar as coisas nos seus exactos termos.
É verdade que existem poucos registos acerca do debate relativo à lei da droga. Mas, isto, por razões evidentes: é que esse debate foi muito reduzido na Assembleia da República. De facto, foi debatido, na generalidade, numa sessão plenária em que se discutiram outras iniciativas legislativas, designadamente algumas do PCP, sobre esta matéria, mas, ao contrário do que propusemos, não se realizou qualquer processo de audições, em sede de comissão, sobre esta matéria, tendo sido votada aqui, na especialidade e em votação final global, em Plenário, poucos dias depois. Portanto, existe muito pouco acerca dos debates relativos à lei da droga. Devia ter havido mais, à semelhança, aliás, do que acontece com outros processos, designadamente o da revisão do Código Penal ou o da revisão do Código do Processo Civil, agora em curso. Em nosso entender, teria sido muito bom que, relativamente à lei da droga, o Governo e o PSD tivessem aceite um debate mais alargado, com a audição de várias entidades sobre esta matéria. Infelizmente, isso não aconteceu.
Agora, gostaria de recolocar a verdade das coisas. Efectivamente, o PCP suscitou a votação, na especialidade, em separado, de duas disposições da autorização legislativa, uma delas, porque discordávamos da sujeição a exame médico de um consumidor sem intervenção judicial - era uma discordância pontual, mas quisemos deixá-la clara-, e uma outra, relativamente à disposição punitiva do consumo, não pelo facto de se prever a punição do consumo com prisão até três meses, o que é a regra, mas por discordarmos da excepção à regra, isto é, de que o simples facto de um consumidor de droga deter determinada quantidade implique só por si a punição até um ano. Portanto, por discordarmos desta parte, desta presunção, digamos, abstivemo-nos aquando da votação desta disposição. Quanto à nossa abstenção em votação final global, fizemo-lo por considerar que o debate aqui travado era manifestamente insuficiente, até porque o Governo não deu a conhecer a esta Assembleia o decreto-lei que viria a ser autorizado.
Por outro lado, esta precisão suscita-me uma outra questão. Não vou dizer que os problemas do agravamento da toxicodependência e do tráfico de drogas decorrem da nova lei da droga, porque, em minha opinião, as causas desta situação são mais profundas. Agora, a verdade é que, mesmo as possibilidades positivas, em termos de reinserção social, que já existem desde 1983 e nem vêm nesta lei da droga, estão muito aquém daquilo que seria possível, pelo simples facto de não existirem estruturas de tratamento e de reinserção social. Creio que esta é uma questão que deve ser aqui suscitada. Como é que um delegado do Ministério Público ou um juiz podem, de facto, mesmo que seja essa a sua vontade, orientar um consumidor de drogas para uma solução de tratamento ou de reinserção social, quando todas as instituições que existem para esse efeito estão absolutamente superlotadas?
E, quando há uma real inacessibilidade dos toxicodependentes, na sua generalidade ou, pelo menos, na sua maioria, a soluções de possíveis tratamentos, aquilo que acontece, no nosso país, é que eles ou vão para uma interminável lista de espera de uma instituição pública ou, muitas vezes, é obrigado a sujeitar-se a instituições privadas, que garantem o sucesso absoluto dos tratamentos, mas que acabam por se traduzir, pura e simplesmente, na espoliação das famílias.
Portanto, esta situação tem de ser alterada para que possa ser invocada alguma eficácia na legislação sobre a droga. E o Governo, efectivamente, não tem tratado seriamente estas questões.
Sempre que o PCP aqui disse que havia um problema de articulação das forças de segurança no combate ao tráfico de droga, o Governo negou-o terminantemente, para vir, anos depois, reconhecer que afinal esse problema existia.