248 I SÉRIE - NÚMERO 7
contrário, o que a, proposta de lei que o Governo agora apresenta à Assembleia da República pretende é, mantendo, no essencial, as soluções já trilhadas pelo legislador, esclarecer medidas e reafirmar princípios gerais de política criminal fiscal que, porventura, não estavam totalmente claros na legislação em vigor, embora dela e das suas finalidades se possam deduzir. Estou naturalmente a falar dos institutos da suspensão da pena, do arquivamento do processo e das normas especiais de processo penal fiscal.
Com efeito, a proposta de lei agora em análise não vem interferir de forma alguma com a opção de criminalização de certas condutas contrárias ao interesse da Fazenda Nacional, nem sequer com a solução da sua punição com penas privativas da liberdade, nalguns casos exclusivas (cfr. artigo 23.º, n.º4 do RJIFNA), e apenas visa esclarecer dúvidas e obviar a que comportamentos espontâneos dos contribuintes, que representam claramente uma tentativa de boa fé de «regresso ou de adesão ao direito» sejam objecto de perseguição jurídico-penal, quando os fins de prevenção inerentes à criminalização dos seus comportamentos afinal estão atingidos por esse mesmo comportamento de boa fé do contribuinte.
De facto, que sentido faria manter em curso um processo penal fiscal ou inicia-lo quando o contribuinte se apresenta voluntariamente a regularizar a sua situação jurídico fiscal no âmbito das normas legais existentes, quer se trate do Código do Processo Tributário, quer se trate do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, ou mesmo do Decreto-Lei n.º 225/94, de 5 de Setembro? A lógica em todas estas situações é a mesma e por isso nós apresentámos uma solução de ordem geral para todas elas.
Aproveito aqui o ensejo para desmistificar algumas críticas a esta proposta de lei.
Não se trata de uma proposta de lei que tenha como único objectivo viabilizar a execução do Decreto-Lei n.º 124/96, antes, visa permitir e incentivar todos os contribuintes a regularizem, pelas várias formas previstas na lei, a sua situação perante a administração fiscal, de modo a realizarem o interesse penalmente tutelado e reporem a verdade e a regularidade da sua situação tributária, independentemente do quadro legal que utilizem para atingir tal desiderato: o Decreto-Lei n.º 225/94, ainda em vigor; o Decreto Lei ri. 124/96; o Código do Processo Tributário; ou outro porventura aplicável.
Dessa sorte, as críticas que apontam esta proposta apenas como uma maneira esquecida ou agora .improvisada de fazer frente a uma dificuldade resultante do projecto de regularização de dívidas são profundamente injustas e pecam por ignorância. Esta é uma proposta de âmbito geral, que respeita o princípio da igualdade.
Aplausos do PS.
Por outro lado, insisto, esta proposta de lei em nada interfere com a opção básica de criminalizar ou não infracções fiscais. Este Governo entende que o cumprimento dos deveres fiscais é suficientemente importante para que as violações mais importantes desse dever. cívico e desse interesse público devam ser vigorosamente criminalizadas. A proposta não vai contra isso, pelo contrário, ao pretender dar eficácia ao sistema de criminalização, quer criar condições para que, pela primeira vez, ele funcione como um sistema normal e rigoroso e não nos encontremos na tal zona cinzenta, pantanosa e lodosa em que ninguém sabe em que lei vive, quem é culpado e quem é inocente.
Esta proposta pretende viabilizar a efectiva tutela do interesse público principal protegido pelos crimes fiscais, que é ,a justa contribuição dos cidadãos para a cobertura dos encargos públicos, estimulando o cumprimento dos deveres fiscais e evitando que, por situações de indefinição, carência de meios, excessiva burocratizarão e rigidez legalista, no quadro de uma cultura fiscal permissiva e com empresas em situações de dificuldade, se generalize essa situação que não sabemos se é de direito ou de não direito. Era nisso que vivíamos, em matéria de crimes fiscais. É nisso que queremos deixar de viver.
Muito menos esta proposta pode ser vista como uma, amnistia para os casos de facturas falsas, que ou não são crimes fiscais ou são crimes fiscais exclusivamente puníveis com penas de prisão, devido ao especial desvalor ético da conduta do agente. Há vários tipos diferentes de comportamentos, e quisemos claramente que todos eles ficassem fora do âmbito desta proposta de lei. Se há alguma dúvida a este respeito, estamos inteiramente abertos a qualquer alteração de redacção que esclareça isso e que vá ao encontro da intenção do Governo e, pensamos também, da sua palavra legislativa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, tanto quanto à suspensão de procedimentos como quanto à extinção do processo penal fiscal, nos termos da nova redacção do artigo 50.º do RJIFNA, não são abrangidos os casos mais graves de crimes de fraude fiscal puníveis exclusivamente com pena de prisão. Isso é muito claro e esta distinção representa que mesmo a regularização, nesses casos mais graves, não é fundamento bastante para se considerar realizado o interesse público essencial.
Gostaria de expor muito brevemente, neste debate na generalidade, porque a proposta de lei é curta e o debate ,na generalidade vive muito do conteúdo de cada um dos artigos do diploma em discussão, a razão de ser dos preceitos que integram esta proposta.
Quanto ao artigo 11 º do RJIFNA, são alterados os n.ºs 5 e 7 na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, apenas em termos formais, fazendo a remissão correcta para as disposições aplicáveis do Código Penal e do Código do Processo Penal, entretanto alterados.
Portanto, não há aqui qualquer alteração de fundo, apenas há a actualização de remissões já vigentes no ordenamento mas incorrectamente feitas.
Quanto ao artigo 26.º do RJIFNA, apenas se altera o n.º 1, restringindo o seu âmbito de aplicação aos crimes de fraude fiscal que não sejam exclusivamente puníveis com pena de prisão, aos de abuso de confiança fiscal ou de frustração de créditos fiscais.
Ou seja, onde antes se falava indistintamente em «crimes fiscais que não sejam exclusivamente puníveis com prisão», passa agora a falar-se expressamente, por uma questão de maior rigor técnico jurídico, em determinados tipos de crimes fiscais, pois apenas o crime de fraude fiscal pode ser, em determinados casos, exclusivamente punível com pena de prisão, conforme consta no artigo 23.º, n.º 4, do RJIFNA, e não os outros.
Trata-se de uma redacção clarificadora e correctiva, que visa dissipar dúvidas suscitadas pelo âmbito de aplicação da norma, quando a referência, antes, era feita, sem mais, a «crimes fiscais que não sejam exclusivamente puníveis com prisão», carecendo, portanto, de rigor.