11 DE DEZEMBRO DE 1996 565
para V. Ex.ª fazer uma reforma mas para V. Ex.ª marcar o caminho da reforma... Eu sei que esse caminho tem de ser consensual, mas o consenso é para a senhora formar uma decisão, ninguém vai substituir a Sr.ª Ministra na tomada de decisão. O consenso é apenas para formar uma decisão tão correcta quanto possível, é isso que os políticos e os governantes têm de fazer.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
A Oradora: - Portanto, este é um ponto que eu consideraria negativo.
Devo dizer-lhe que falo à vontade de hospitais consigo porque, como costumo dizer, no nosso trabalho gastámos muitas solas de sapatos a percorrer corredores de hospitais, blocos operatórios, refeitórios, às vezes lavandarias, etc. Temos essa vantagem sobre os médicos. Os médicos que me desculpem, mas temos a vantagem de termos tido uma visão transversal, uma visão integrada do que é, de facto essa complexíssima empresa, que são os hospitais. São eles os principais geradores da sua dívida, mas eles deveriam tratar apenas 20% da população portuguesa. Ao deixá-los ser os principais geradores de dívida poderá V. Ex.ª estar a contribuir para que 80% dos portugueses não tenham uma resposta adequada num primeiro nível de cuidados, e essa é, ao fim e ao cabo, a grande responsabilidade política do Governo.
O efeito das dívidas é tremendo. Na altura, oportunamente, sugerimos que V. Ex.ª centralizasse a dívida, pegasse nela e a pusesse no Instituto de Gestão Financeira e que, com a força de um grande devedor mas também de um grande comprador, negociasse a dívida, eventualmente a titulasse, mas a tirasse dos hospitais. Ao deixá-la lá V. Ex.ª corta literalmente as pernas aos gestores dos hospitais para poderem negociar, eles próprios, não só a sua dívida como as suas compras. Se neste momento o Ministério está a negociar a dívida para 1997, os hospitais estão a negociar as compras para 1997, e não podem fazê-lo com essa dívida às costas. E V. Ex.ª sabe isso tão bem como eu, por isso também estou perfeitamente à vontade. Eles vão perder o estímulo e a responsabilidade. V. Ex.ª não vai poder exigir-lhes a responsabilidade porque eles também vão ter de actuar naquela enorme manta de retalhos.
Quanto ao défice, devo dizer que em Março disse daqui, sem ser bruxa, que iríamos ter este quadro no Orçamento rectificativo porque os pressupostos estavam errados. Não era possível, ao nível dos medicamentos e dos convencionados, obter os resultados que, na altura, o Sr. Secretário de Estado anunciou, porque isso só seria possível com pressupostos que, mesmo temporalmente, não era possível ter algum efeito orçamental durante este ano.
Mas há ainda um outro aspecto que é preciso ter em conta. Se olhar à volta, verá que todos os países estão a reformar os sistemas e, se o estão a fazer, não obstante a bondade dos princípios em que assentam, é porque eles não têm hoje já a possibilidade de dar esta resposta inesgotável.
A dívida que V. Ex.ª contraiu também não é uma dívida produtiva, e é isso que, em meu entender, nos deve preocupar a todos. Não foi com ela que se conseguiu mais saúde nem melhor saúde. Portanto, andamos a correr atrás da dívida, e a dívida anda a rolar à nossa frente.
Ora, o que é que eu diria em relação a estes pontos? Diria que, de facto, seria fundamental que se entendesse que V. Ex.ª vai fazer um esforço em 1997, e penso que esse esforço não pode partir dos pressupostos do Orçamento. Tenho de dizer aqui, como o direi provavelmente amanhã, que não é possível considerar um aumento de receita como o que aqui verificámos estar inscrito no Orçamento. V. Ex.ª sabe que não é possível obrigar os subsistemas nem mesmo as seguradoras a pagarem num sistema que é gratuito. Este é um problema real.
V. Ex.ª tem um sistema gratuito, oferece aos portugueses um sistema gratuito, e é duvidoso, mesmo do ponto de vista legal, que um subsistema prive um cidadão português da gratuitidade do sistema, do SNS. Isto para lhe dizer que V. Ex." poderia actuar no sentido de ser um factor de correcção e de regulamentação da indústria de cuidados de saúde, nomeadamente ao nível dos financiadores das seguradoras. É preciso que se constituam seguros de saúde credíveis, que sejam vitalícios, que tenham uma ampla cobertura, que tenham um preço acessível, como acontece noutros países.
Ora, se V. Ex.ª vai por esse caminho, o mais provável é que a cobertura dos seguros diminua, que um subsistema como o SAMS entre em crise, o mais provável é que para a ADSE lhe pagar abra um «buraco» num outro lado.
Por isso, no momento em que aumenta assim a sua provisão de receita tem de perceber que vai mexer num sector que está habituado a viver à custa do SNS, porque o SNS também se afirma como gratuito perante a comunidade nacional.
Portanto, não vejo que seja possível esse acto voluntarista sem que antes a Sr." Ministra possa constituir como seus interlocutores quer a indústria dos cuidados de saúde quer as entidades financiadoras para além do Estado, nomeadamente os subsistemas e as seguradoras, no sentido de começar a desenhar essa reforma. De outra forma, penso que não conseguirá o aumento de receita. Por outro lado, também penso que, se não centralizar a dívida e se não a negociar de outra forma, o que vai conseguir é apenas uma negociação casuística que de modo algum lhe garantirá não um pequeno aumento de despesa com medicamentos e meios de diagnóstico mas aquilo que está previsto, que é aumento nenhum, que é manter-se a despesa naquilo que estava no ano anterior.
Portanto, esperava e espero que V. Ex.ª, no início do ano, apresente a este Parlamento e ao país um programa de reforma que torne possível acreditarmos que, sem financiamentos sucessivos e improdutivos, vai ser possível dar um sistema de saúde melhor aos portugueses, definindo o que é que o Estado deve dar, a quem o Estado deve dar, quanto deve custar o que o Estado deve dar e como o deve dar. É a estas perguntas, aparentemente muito simples, mas muito complicadas, que a senhora tem de responder.
O jogo dos números é um jogo que não me comove muito, porque nele é sempre possível fazermos, uns e outros, muita batota.
A questão de fundo, aquela que, a meu ver, nos deve preocupar, é esta: não tem mecanismos de correcção sistémicos, não tem mecanismos de correcção estrutural porque não mexeu no sistema; se não mexer no sistema, o sistema vai custar cada vez mais, mas sem qualquer benefício cara os utentes, para os portugueses, para os cidadãos. E este o apelo que, mais uma vez, faço.
Os pressupostos para 1997 estão errados, pelo que vamos ter outro Orçamento rectificativo. Eu ficaria mais contente se nesse Orçamento rectificativo, independentemente da verba nele inscrita, a senhora tivesse já andado um longo caminho na reforma, que é completamente