O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3250 I SÉRIE - NÚMERO 91

sem cobertura que, sistematicamente, se furtam à acção da justiça. A simples leitura das publicações obrigatórias de declaração de contumácia no Diário da República levam-nos rapidamente a essa conclusão. Numa breve amostragem dos últimos meses, verificam-se sempre percentagens superiores a 60%.
Todos estes números servem para provar aquilo que é sabido quanto ao papel do crime de cheque sem provisão, no conjunto do sistema de repressão criminal e, designadamente, no sistema judiciário.
A introdução de cerca de 80 000 inquéritos de cheques sem cobertura por ano, representando cerca de 20% do total da investigação criminal, e que chegam a atingir em algumas comarcas, como é o caso de Lisboa, números que se aproximam dos 40% do total de participações-crimes, significa, já de si, o enorme envolvimento do sistema na perseguição judicial deste tipo de criminalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passa-se com o cheque, relativamente ao sistema judiciário penal, aquilo que com as cobranças de dívidas se passa na justiça cível. Mas a verdade é que o número total de condenações, como já se referiu, baixa substancialmente e a maior parte dessas condenações não dá lugar a prisão efectiva mas a outro tipo de sanções.
Os últimos dados relativos a 1995, quanto ao tempo decorrido entre a data do crime, a entrada do processo no tribunal de julgamento e a decisão final em primeira instância, apontam para 39 meses, repito, 39 meses, no caso do cheque sem cobertura. Esta situação está, por um lado, relacionada com o tempo excessivo de inquérito cerca de 20 meses -, mas, por outro, também, certamente, com a ausência sistemática do arguido, que se furta, desde logo, na fase de investigação, para terminar também pela situação de contumácia na fase do julgamento.
Tudo isto permite a conclusão de que o enorme envolvimento do aparelho de investigação e julgamento na perseguição do cheque sem cobertura tem resultados altamente decepcionantes, no que diz respeito à eficácia do sistema. Este aponta para um número de condenações muito abaixo dos processos iniciados, para um tempo excessivo para se obter essa condenação e, finalmente, para uma taxa diminuta de condenações a prisão efectiva, abrangendo umas poucas centenas de arguidos e, certamente, os crimes mais graves no âmbito do cheque sem cobertura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passados que estão mais de 5 anos sobre a última alteração à lei do cheque, ocorrida precisamente numa altura em que se deu um imenso salto quantitativo nas ocorrências criminais desta natureza, é tempo de fazer o balanço e de nos lançarmos algumas interrogações que só não são novas porque foram também feitas noutros países que fizeram um percurso semelhante de relativa descredibilização do cheque e do envolvimento excessivo, por vezes mesmo insuportável, do aparelho judiciário na sua perseguição.
É que a acrescentar a tudo o que deixei dito, há um dado que é necessário sublinhar: desde há anos a esta parte, por razões variáveis, que se prendem, por um lado, com questões de fiscalidade mas. por outro, com a possibilidade teórica, sublinho, teórica, da defesa do tomador do cheque, através do desencadear de uma acção criminal. foi-se criando, em Portugal, um hábito de substituir outros títulos de crédito, que são, na generalidade, e eram também em Portugal, usados especialmente nas vendas com pagamento diferido, pelos chamados cheques pós-datados.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Com isto se conseguiria - pensava-se - uma maior defesa, designadamente dos comerciantes, mas não só. Estes, na posse de um conjunto de cheques com datas diferidas, coincidindo com as datas acordadas para os pagamentos a efectuar pelo devedor, adquiriam pensava-se - uma protecção adicional para os seus créditos: a possibilidade de, mediante a ameaça de participação criminal, poderem obter o ressarcimento desses mesmos créditos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Pura ilusão!

O Orador: - O sistema foi-se alicerçando cada vez mais, por vezes com a conivência do sistema bancário, em que este foi criando operações de desconto de cheques à exacta semelhança do desconto de outros títulos de crédito, com grande tradição, esses, sim, na nossa vida comercial.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Verdade! Completamente verdade!

O Orador: - Esta prática que se institucionalizou ao longo dos últimos anos constitui, a nosso ver, e penso que ao ver de qualquer jurista minimamente informado, uma perversão, repito, uma perversão do papel do cheque, designadamente no que respeita à protecção criminal que lhe está subjacente.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não se põe em dúvida, como é óbvio, que este tipo de cheques continua a ter o valor de cheque, como título abstracto, contendo uma obrigação de dívida ou, melhor, uma promessa de pagamento de dívida e, como tal, a ser título executivo num processo civil.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas não pode admitir-se, por este claro enviesamento da função do cheque, que estejamos hoje confrontados com situações que configuram autênticos casos de prisão por dívidas de há muito abolidas do nosso sistema e rejeitadas pelos nossos quadros culturais e civilizacionais.
Aliás, a isto já fez referência o ex-Presidente da República, Dr. Mário Soares, na inauguração do ano judicial de 1996, ao aludir à existência, em Portugal, de situações que constituíam verdadeiras prisões por dívidas, totalmente inaceitáveis no nosso sistema jurídico.
Mau grado o número, apesar de tudo diminuto, de cheques sem provisão, face ao número global de cheques emitidos - reparem que são 0,04% que dão lugar a processos-crimes -, a verdade é que estamos hoje colocados perante um problema de confiança no cheque. É esse problema que temos de enfrentar com coragem e determinação, no sentido de tudo fazer para poder refazer a credibilidade do cheque como meio de pagamento, criminalizar claramente os comportamentos que hajam de ser criminalizados e configurar a investigação e o julgamento dos cheques sem provisão que constituam crime, de modo a que possam ser feitas em tempo adequado, o que não é hoje, como já se viu, o caso.
Mas, ao mesmo tempo, há também que assegurar àqueles que, na sua boa fé, aceitaram como meios de