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3258 I SÉRIE - NÚMERO 91

Mas não aceitamos que V. Ex.ª não tenha resistido à tentação fácil de propor uma medida de efeitos práticos tão abrangentes como os de uma amnistia encapotada, susceptível de permitir a soltura imediata de todos quantos estão a cumprir pena de prisão pelos crimes de emissão dos cheques sem cobertura que quer despenalizar.
Não nos impressiona o número dos condenados que espreitam por detrás das grades o momento da saída ou do lado de lá da fronteira o dia da entrada, com um cadastro entretanto branqueado oficiosamente pela limpeza «Tide» de uma amnistia selectiva.
E não importa que sejam dez, duzentos ou quinhentos, até porque sabemos que mais de 80% deles são profissionais da reincidência e que virão de novo instalar-se, de armas e bagagens, neste país entretanto transformado em paraíso dos passadores de cheques sem cobertura.
O que nos impressiona é o cidadão anónimo que, confiante na tutela penal, vendeu as suas mercadorias contra a entrega de um cheque pré-datado, a levantar dali a vinte dias; que depois o viu ser devolvido; que depois o participou em juízo; que ao longo dos anos já foi cinco ou dez vezes a Tribunal, perdendo dias de trabalho, pagando almoços e transporte a testemunhas; gastando a saúde e o dinheiro que não tem nem recupera; assistindo impotente aos adiamentos, uma vezes ditados por motivos do tribunal e muitas mais por falta do arguido que se faz doente, à espera da anunciada despenalização.
Impressiona-nos o comerciante que vendeu o frigorífico ou a televisão, recebendo para o fim do mês o cheque pré-datado que a seguir foi devolvido por falta de cobertura e que depois iniciou aquele mesmo calvário.
Impressiona-nos saber que esses milhares de cidadãos portugueses tenham confiado na lei e nas instituições e que agora o Governo, indiferente, os abandone à sua sorte!
Até aqui dizia-se que a Justiça «tarda mas chega».
Agora vai saber-se que para esses a Justiça pode nunca mais chegar.
Que resposta tem o Governo para aqueles que até aqui acreditaram na tutela penal desses cheques, que aguentaram penosamente a lentidão pachorrenta dos tribunais e que agora já começam a ver os arguidos, insensíveis como o Governo à sua ruína anunciada, passeando de bom carro à porta do Tribunal onde o julgamento acabou de ser adiado por sua falta, deitando a cabeça de fora, mandando umas gargalhadas e outras tantas «bocas» grosseiras, quando não se lhes dirigem, sem pudor, dizendo, como sabemos ter acontecido nos últimos dias: «Não pago porque não quero».
V. Ex.ª, Sr. Ministro Vera Jardim, quando era advogado e Deputado da oposição via isso.
Agora explica-se aos Portugueses.
Mas não lhes diz que, desaparecida a tutela penal do cheque, o lesado nunca mais vai conseguir penhorar o carro do seu devedor porque nem o carro está em nome dele.
V. Ex.ª não disse aos Portugueses que o comerciante que entregar a aparelhagem de som a troco do cheque sem tutela penal não vai mais recuperar a mercadoria, ou porque ela desapareceu ou porque não pode ser objecto de apropriação mas de penhora, depois vendida judicialmente ao desbarato e por um preço que muitas vezes se consome nas custas do processo.
V. Ex.ª escondeu aos portugueses que os processos cíveis executivos não vão passar a ser rápidos e que há tribunais onde passar um simples precatório-cheque leva mais de seis meses.
V. Ex.ª atirou com a culpa do atraso dos tribunais para o elevado número de processos crime por cheque sem cobertura mas não disse aos Portugueses que por cada processo que deixa de entrar nos tribunais criminais ou renasce um processo marginal de «cobrança difícil» ou nascem dois ou mais processos cíveis: o executivo e os apensos de embargos que se pegam como as cerejas.
Se. por um lado, alivia os tribunais criminais, pelo outro vai afundar ainda mais os tribunais cíveis.
A litigância não vai diminuir mas o Executivo vai-se entretendo nesta mera aparência de governação, agora transferida para a área da Justiça.
Nós desenganamos daqui o povo português, avisando de que a Justiça ficará menos eficaz e mais cara porque os processos cíveis pagam incomparavelmente mais custas do que o processo-crime!
Por isso também é que o Sr. Ministro das Finanças assinou caladamente esta proposta que lhe serve como uma luva para meter a mão no bolso dos contribuintes, não só daqueles que recorrem aos tribunais mas também dos outros que, no dia a dia do comércio jurídico, se têm de socorrer de alternativas, onde pontificam os impostos e as taxas. É a avidez deste aumento camuflado de impostos que outra vez ameaça os portugueses distraídos em férias.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Aumento de impostos?! Essa é boa!

O Orador: - Mas nem tudo na proposta é mau.
Só que o que ela tem de aproveitável perde-se nos seus próprios erros e insuficiências.
Nós acreditamos na eficácia das coimas e defendemos a reformulação do texto legal.
Por isso não temos dúvidas de que a despenalização dos cheques pré-datados, antes que sejam postas à disposição dos portugueses soluções alternativas que agilizem o comércio e tornem mais viável e menos oneroso o crédito ao consumo, trará efeitos muito nefastos para o País.
Nós não temos dúvidas de que a anunciada tendência para a despenalização dos cheques pré-datados funcionará cada vez mais como um elemento dissuasor remoto do recurso a esse meio de pagamento.
E também não duvidamos de que, se todas as instituições de crédito assumirem a sua quota-parte de responsabilidade no controle da atribuição e do uso dos módulos de cheque, se caminhará naturalmente para a erradicação da chaga social que ainda é o crime de emissão de cheque sem cobertura.
Quando isso acontecer, nós estaremos na linha da frente da despenalização, porque o instrumento do crime terá tendência para desaparecer às mãos dos próprios criminosos.
O Governo pensou bem no que significa reduzir tão drástica e abruptamente as garantias dos cidadãos?
O Governo ponderou que uma lei que descriminalize o cheque é de forçosa aplicação imediata e generalizada, não sendo possível assegurar um regime transitório que permita a sua aplicação só a casos futuros?
E não se argumente que o cheque entrou ou deve entrar em onda decrescente de uso, face à proliferação dos cartões de crédito e de débito.
O cheque revalorizado é e há-de ser a única arma de que cada um de nós pode dispor no futuro para pagar bens e serviços sem encargos financeiros e para se defender do lobby do dinheiro plástico, sempre mais caro para o cidadão.