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9 DE OUTUBRO DE 1997 23

introduzir as alterações necessárias ao regime jurídico em vigor, feito o balanço da sua aplicação e a experiência de outros ordenamentos jurídicos.
A presente iniciativa corresponde. assim, à realização de um compromisso do Governo. A lei do asilo, reconheça-se, não deve ser entendida, materialmente, como uma lei ordinária comum. Trata-se de uma lei em que se cruzam princípios e valores de civilização, com elementos essenciais do nosso património jurídico-constitucional e com valores próprios de uma tradição cultural de raiz eminentemente humanista, forjada numa peculiar relação histórica com outros povos de todas as latitudes.
Mas, por outro lado, trata-se de uma lei que visa regular a questão do asilo num momento histórico particular em que a deslocação de pessoas, seguindo motivações de natureza diversa se tornou, como alguém escreveu, «um facto social total», actuando sobre todos os elementos do conjunto social, segundo uma lógica própria de um modelo de economia global em que a noção de fronteira adquire uma nova dimensão política, cultura e social.
Neste contexto, o principal objectivo da presente iniciativa é justamente o de encontrar as soluções no plano técnico jurídico que permitam compatibilizar estas duas realidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também por isso o Governo procurou abordar esta questão segundo uma metodologia pouco comum no processo legislativo corrente, identificando os aspectos mais críticos da lei em vigor, sem pôr em causa a sua matriz essencial e procurando o consenso político e social possível, em torno de uma lei que deve dignificar o Estado português sem desproteger os seus interesses fundamentais.
Neste sentido, a Assembleia da República aprecia hoje esta proposta de lei, na sequência da análise crítica da aplicação da lei em vigor, no âmbito de um grupo de trabalho, coordenado pelo Ministério da Administração Interna, com uma colaboração muito directa de representantes do Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, do Conselho Português para os Refugiados e, naturalmente, do serviço responsável pela regulação e acompanhamento do asilo em Portugal (o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), bem como da colaboração estreita da representação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, através de múltiplas iniciativas, em que se inclui a audição parlamentar em Outubro de 1996, que envolveu a participação de personalidades e organizações cujos contributos foram, em boa medida, atendidos na presente iniciativa.
A presente proposta de lei tem em atenção, por um lado, a forte protecção constitucional de que goza o direito de asilo entre nós, especialmente após a revisão de 1982 que elevou o direito de asilo na sistemática constitucional à categoria dos direitos fundamentais, e, por outro lado, a tendência harmonizadora em curso no direito europeu, seja no âmbito da Convenção de Aplicação dos Acordos de Schengen seja no domínio da União Europeia.
Esta harmonizarão tem-se desenvolvido segundo uma tendência manifestamente restritiva quanto aos procedimentos de asilo, designadamente pela imposição de obrigatoriedade de vistos a nacionais de países potencialmente geradores de refugiados e de sanções às transportadoras que aceitam passageiros sem documentos, bem como à política dos chamados «países terceiros seguros» ou pela introdução de procedimentos acelerados para tratar os pedidos abusivos ou manifestamente infundados.
E se o legislador constituinte pode e deve, porventura, alhear-se muitas vezes dos factos, o legislador ordinário não pode .ignorar a realidade. Compreendo que a associação entre o tratamento das questões do asilo e da imigração ilegal repugnem a uma consciência jurídica rigorosa e, mais ainda, que elas sejam tratadas como questões de segurança interna e segundo uma abordagem por vezes reduzida a uma dimensão policial.
Mas, do ponto de vista político, estas questões são hoje indissociáveis, sobretudo depois de o tratado de Maastricht, no artigo Kl do Título VI, do chamado III Pilar, ter estabelecido como questões de interesse comum, no conjunto dos enunciados de segurança interna, a ligação entre cooperação policial e judiciária e asilo e imigração.
O tratamento do direito de asilo no contexto das questões relativas à liberdade de circulação e a associação desta ao objectivo de criação de um espaço de segurança comum não pode deixar de determinar, necessariamente, constrangimentos e limitações ao seu exercício.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A consagração da liberdade de circulação de pessoas no espaço da União, impondo a supressão dos controlos nas fronteiras internas e a progressiva atenuação da noção de fronteira interna determina o reforço do controlo das fronteiras externas num quadro de garantias de confiança e solidariedade, sem o qual a ideia de União Europeia é inconcebível.
Neste sentido, a harmonização é inevitável e é reforçada pela necessidade de os ordenamentos jurídicos nacionais não estabelecerem, em relação ao conjunto do sistema jurídico, «vantagens comparativas» que gerem fluxos descompensadores entre Estados e regiões. Daí, o sentido restritivo dessas tendências, que eventualmente só poderá ser contrariado no quadro de uma efectiva comunitarização do direito de asilo, segundo uma matriz jurídica compatível com a dimensão humanista da civilização europeia.
Sabemos que continua a haver dentro da União Europeia diferentes percepções sobre a forma como deverão ser organizados os procedimentos administrativos, bem como até onde. deve ir o recurso judicial no que se refere às decisões administrativas negativas.
O que o Governo propõe com esta iniciativa é uma solução de equilíbrio entre as garantias dos requerentes de asilo e do estatuto de refugiado e os princípios de eficácia, celeridade e justiça, também, que devem enformar as decisões administrativas e a protecção dos interesses do Estado.
As soluções propostas parecem-nos adequadas e equilibradas, sendo de realçar as seguintes alterações: estabelece-se a definição de uma nova matriz processual na determinação do estatuto de refugiado, criando-se em substituição do processo acelerado a fase de admissibilidade, pela qual passarão todos os pedidos de asilo; clarificam-se as garantias oferecidas ao requerente de asilo em fase de recurso; é criado o Comissariado Nacional para Refugiados, órgão colegial constituído para o efeito e composto por dois magistrados e por um licenciado em Direito com formação em direito de asilo; garante-se a participação consultiva do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e do Conselho Português para os Refugiados em todas as fases do processo; estabelece-se uma regulamentação específica para os pedidos apresentados nos postos de fronteira; introduz-se um processo especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo; consagra-se a protecção por razões humanitárias; estabelece-se a introdução de um regime de protecção temporária,