I SÉRIE - NÚMERO 1 26
mantém em vigor disposições legais que o PS tanto criticou ao PSD, como propõe a aprovação de novas disposições que são inaceitáveis.
Senão, vejamos: em primeiro lugar, o regime de processo acelerado previsto na lei do PSD é substituído, na proposta de lei do PS, por uma fase de admissibilidade do pedido, da competência do SEF, e que, tal como no processo acelerado, assenta em decisões discricionárias da parte dos serviços. Basta que o SEF considere que se verificam causas de exclusão «manifestas»; ou que as alegações do requerente são «destituídas de fundamento»: ou que o pedido é «claramente fraudulento», para que o requerimento não seja admitido e consequentemente não seja analisado. Trata-se de um processo que será um pouco menos acelerado, mas que é ainda assim, inaceitável.
Mas particularmente grave é o regime aplicável aos casos em que o pedido de asilo seja apresentado nos postos de fronteira, na sequência de entrada irregular no território nacional. Nesse caso, o SEF decide da admissão do pedido no prazo de cinco dias, e em caso de não admissão pode o requerente pedir, em 24 horas, a reapreciação do caso pelo Comissariado Nacional para os Refugiados, que decidirá nas 24 horas seguintes. Só que, nestes sete dias, o requerente é obrigado a permanecer na zona internacional do aeroporto! Lê-se e não se acredita. Se uma disposição destas for aprovada, resta esperar que, tal como fizeram aquando do célebre «caso Vuvu», o Sr. Ministro José Vera Jardim e o Sr. Secretário de Estado António Costa intercedam judicialmente contra tal atentado aos direitos humanos e à Constituição da República.
Em segundo lugar, o Governo reconhece a importância de prever a eficácia suspensiva automática do recurso que seja apresentado perante o Supremo Tribunal Administrativo, face à recusa do direito de asilo. Mas já não reconhece o mesmo efeito suspensivo aos recursos que sejam apresentados perante o Tribunal Administrativo de Círculo, face à decisão de não admissão do requerimento. Não é compreensível esta disparidade de critérios.
Em terceiro lugar, a proposta de lei continua a fazer depender o reconhecimento do direito de asilo, ou mesmo a admissibilidade do pedido, de critérios que não decorrem de qualquer consideração humanitária, mas antes de meras considerações de política externa, ou mesmo de oportunidade.
Em quarto lugar, a solução proposta pelo Governo para a composição do Comissariado Nacional para os Refugiados é verdadeiramente abstrusa. Propõe o Governo que tal Comissariado seja composto por um magistrado judicial, um magistrado do Ministério Público como adjunto do primeiro e um licenciado em Direito com funções de assessoria; os dois magistrados seriam nomeados pelo Governo mediante designação dos respectivos Conselhos Superiores e o terceiro seria simplesmente de nomeação governamental - um simples boy.
Esta proposta suscita várias objecções. Primeira; a de que não é pelo facto de um órgão ser composto por magistrados que se torna independente: os magistrados a integrar o comissariado não exercerão as funções de magistrados, ruas de titulares de um órgão da Administração Pública. Segunda, a de que não é adequado que os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público sejam envolvidos na designação de membros que hão-de integrar órgãos a funcionar na órbita governamental. Terceira, a de que, sendo as magistraturas judicial e do Ministério Público independentes, não se percebe porque é que o magistrado do Ministério Público há-de ser o adjunto do magistrado judicial.
Finalmente, é de lamentar que o Governo não aproveite esta iniciativa legislativa para retomar o bom princípio, eliminado em 1993, de que o direito de asilo pode ser reconhecido por razões humanitárias. Também neste caso o Governo PS segue integralmente as pisadas do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Não restam, apesar de tudo, dúvidas de que estamos hoje em condições de debater esta matéria com mais serenidade do que em 1993. Há hoje melhores condições para deixar claro que estamos a falar de direito de asilo, não estamos a falar de imigração ilegal: que estamos a falar de cidadãos perseguidos pelas suas convicções políticas e pela sua luta em defesa dos direitos humanos, não estamos a falar de criminosos: que estamos a falar de razões humanitárias, não estamos a falar de conveniências de política externa.
Quando em 1993 exerceu o seu direito de veto sobre um primeiro decreto desta Assembleia sobre direito de asilo, o então Presidente Mário Soares chamava a atenção na sua mensagem para as nossas «especiais responsabilidades na ponderação de um novo regime legal sobre direito de asilo e estatuto de refugiado. Está na nossa memória a experiência recente e, por isso, temos de usar de generosidade e abertura, com as cautelas necessárias, capazes de garantir na prática a solidariedade de que ontem beneficiámos e que hoje não devemos regatear». Sobretudo num momento - acrescentava mais adiante - «em que deveremos contrariar e prevenir, com serenidade e firmeza e com sentido humanitário, as tentações do chauvinismo e xenofobia que se vão manifestando no velho continente».
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O voto que hoje fazemos é o de que esta Assembleia aprove, em matéria de direito de asilo, uma verdadeira mudança de rumo em relação aos maus caminhos seguidos em 1993, no sentido de um regime legal mais justo e humano. Daremos, para isso, o nosso melhor contributo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Secretário de Estado,
Sr.as e Srs. Deputados, Ilustres Representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e do Conselho Português para os Refugiados: O problema dos refugiados encontra-se inter-relacionado com muitas das questões urgentes com que o mundo se confronta actualmente - a protecção dos direitos humanos, a resolução de conflitos, a promoção do desenvolvimento económico e institucional, a preservação do meio ambiente e a gestão da migração internacional.
Para se abordar o problema dos refugiados de forma efectiva e justa será necessária uma abordagem integrada que tenha, simultânea e sistematicamente, em conta estas diversas questões. Quando as Nações Unidas foram criadas em 1945, o fim declarado da nova organização era o de reafirmar a convicção do mundo nos «direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das grandes e pequenas nações». Cinquenta e dois anos depois, a procura de soluções para o problema dos refugiados deve reger-se pelos mesmos princípios.