9 DE OUTUBRO DE 1997 29
... pois, de facto, nos casos em que ousa decidir têm sido muitos os fiascos. E se a lei disser «é concedida autorização de residência por razões humanitárias», o Governo fica com o dever de conceder, como se o peticionário tivesse um direito. Assim não é, porém. O que está em causa, na situação contemplada, não é um direito subjectivo de quem, nas condições que depois são elencadas no artigo 8.º, possa ter esta residência por razões humanitárias. Isto, ao contrário do asilo propriamente dito: garantido constitucionalmente, este, do ponto de vista individual, é um direito subjectivo, com o Estado a ter o dever de o conceder, verificados os correspondentes pressupostos.
Mas, se queremos ir além do que a Constituição da República Portuguesa impõe, se queremos ainda poder conceder residência por razões humanitárias, isso deve ser uma mera faculdade que o Estado exercerá nas circunstâncias concretas e segundo um processo que, terminada a instrução, concluirá pela positiva ou pela negativa. Não se conforma, portanto, com a natureza de faculdade da Administração e do Governo, a redacção proposta no sentido de «é concedida autorização de residência por razões humanitárias...». Pode ser concedida, terminado o processo se verá se estão reunidas as condições ou não para ser concedida a residência por razões humanitárias.
Semelhantemente ao que propomos está no artigo 9.º - protecção temporária. E muito bem. De resto, casos que aí estão elencados, por exemplo «conflitos armados que originem, em larga escala, surtos de refugiados» vêem parte do seu perímetro consumido pela residência por razões humanitárias. E se há consumpção de algum perímetro numa e noutra hipótese, como compreender que num lado o Governo diz «é concedida...», no outro já diz «pode conceder...». Estamos perante uma incoerência total. Eis mais um sintoma de que o Governo não quer ter poderes para decidir, com medo de decidir mal. Mas há que julgar, há que decidir.
O terceiro caso que, em nome do PSD, me apraz registar para, em sede própria, ainda podermos alterar é o do conhecido «processo acelerado». Percebe-se na proposta que o Governo tem medo da expressão, foge dela «como o diabo da cruz», convencido que isso é, se não lepra, pelo menos pecaminoso. E não é. Devo dizer e recordar ao Governo que o mesmo é reconhecido pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados a quem saúdo - no documento intitulado «Procedimentos de asilo justos e céleres». Nesse documento, no seu ponto 15 («os Estados podem recorrer a processos acelerados) e logo no seu ponto 16 («O ACNUR concorda inteiramente com os Estados nos seus esforços para que os pedidos de asilo manifestamente infundados sejam tratados em processos acelerados...»), é aconselhado o processo acelerado desde que se assegure que seja acompanhado das garantias adequadas, incluindo entre outras a possibilidade de revisão ou recurso com efeito suspensivo.
Portanto, Srs. Membros do Governo e bancada do Partido Socialista, não há que ter medo da expressão, porque o problema é de garantias mínimas e essas têm que estar salvaguardadas. Assim, pergunta-se: não querendo o Governo ousar também aqui, em casos excepcionais que se justifiquem de processo acelerado, consagrar este processo, o que é que lhe resta? O processo normal. E o processo normal que lhe resta é igual para todos os casos, mais urgentes, menos urgentes, e sobretudo mais fundados ou menos infundados e mesmo manifestamente infundados
e fraudulentos. Mesmo os casos de pedidos de asilo manifestamente infundados e fraudulentos previstos no artigo 13.º, sob a epígrafe «inadmissibilidade do pedido» em que claramente se assume «... é considerado inadmissível se forem ... manifestas algumas das causas...», entre estas, «... ser claramente fraudulento ou constituir uma utilização abusiva do processo de asilo...» - e mesmo esses casos caem no processo normal, a decidir como todos os outros, nesta fase preliminar de admissibilidade, em 20 dias.
Mas em casos clamorosos, manifestamente inadmissíveis, claramente fraudulentos, é o Estado português que vai estar a aguentar dentro desta normalidade um processo que se podia resolver rapidamente?! O processo acelerado, reconhecido pelas altas autoridades internacionais e por vários Estados membros, não tem lugar em Portugal, porquê? Eis um outro ponto que deixo à consideração para possível aperfeiçoamento.
O quarto ponto tem a ver com o processo nas fronteiras, no posto de fronteira em que alguém chega a pedir a asilo e não entre. Nesta hipótese, o Governo, embora não querendo dizer o nome - porque se o fizesse se calhar caía-lhe o mundo em cima, se calhar a Torre dos Clérigos tombava -, já usa o processo acelerado e não se importa de usar um verdadeiro processo acelerado. Caso em que a decisão tem de ser rápida, tomada em cinco dias.
Todavia, o recurso é para o Comissariado Nacional dos Refugiados, sem salvaguarda de um verdadeira recurso para uma autoridade, designadamente o ministro. Ora bem, neste ponto, o Governo nem sequer está a ter em conta a já referida recomendação de garantias mínimas do processo de asilo, do Conselho da União Europeia. Se tivessem tido o cuidado de a ler melhor, verificariam como nela se recomenda que, nestes processos especiais apresentados nas fronteiras, se assegure que a decisão sobre a recusa de entrada seja tomada por um ministério ou por uma autoridade central de natureza semelhante - preferindo-se a do ministério. Penso que o Ministério da Administração Interna, nestes casos, devia ter também a coragem de em última instância decidir, porque é a ele que o povo português confiou, por mandato, a obrigação de zelar por todos os interesses na área da administração interna e da segurança dos portugueses.
Estes são alguns dos pontos, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, Caros Colegas, que registo, a merecerem aperfeiçoamentos segundo o PSD. Temos o nosso projecto, que imediatamente entregarei na Mesa para ainda poder ser tido em conta em comissão de redacção final na especialidade. Certos de que assim consensualizariamos uma matéria tão nobre de direitos humanos, como é a que está em causa. Assim, a quem, por razões nobres de luta pela democracia, pelos valores humanos lá fora, noutros Estados, entende encontrar refúgio seguro em Portugal, devemos conceder-lhe asilo. Mas não devemos tolerar que através da porta do asilo se usem outras figuras ou se pretendam obter resultados que não são os seus. Se assim entender o Governo, se assim entender o Partido Socialista, o PSD contribuirá com este projecto para o aperfeiçoamento da proposta ora em apreço, assim como para a consensualização desejável numa matéria que é um dos pilares do Estado e também um dos pilares da segurança do Estado português.
(O orador reviu.)
Aplausos do PSD.