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108 I SÉRIE - NÚMERO 3

investigação criminal (...)». Mais adiante, escreve ainda que «(...) o grande desafio que se coloca é conciliar esses direitos e não hierarquizá-los (...)» - refere-se ao segredo de justiça e à liberdade de informação - «(...) tendo presente que a regra é o direito à informação e a excepção residual, o segredo de justiça.».
Estas são afirmações valorativas que nós, Partido Social Democrata, não subscrevemos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Confunde-se, nesta invocação da opinião do Sr. Provedor de Justiça, segredo de justiça com segredo de Estado, mas são dois conceitos totalmente distintos que não podem ser confundidos. E a ideia de segredo de Estado, que não se confunde com segredo de justiça, essa sim, é que está muito ligada à ideia de arcana imperii, que deve estar subjacente a todo o poder. Ora, não é isso o que está em causa no segredo de justiça.
É certo que hoje, no mundo mediático em que nos encontramos, o grande problema acaba por ser de conflito forte, porventura insolúvel neste estádio, entre o segredo de justiça e a liberdade de expressão e o direito à informação. É certo - e convém que o PSD o diga de modo muito claro - que a liberdade de expressão é, seguramente, um dos direitos mais preciosos do homem, reconhecido à imprensa, esse «cão-de-guarda» da democracia (numa frase célebre do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) e um dos fundamentos da essência democrática. Dizemo-lo para que não restem dúvidas, completando, todavia, que essa liberdade supõe deveres e responsabilidades, e pode, por isso mesmo, sofrer restrições legais necessárias em sociedade democrática à protecção de outros direitos, também eles fundamentais, do homem e da pessoa humana.
Uma dessas restrições legais, um desses limites à liberdade de expressão reconhecida à imprensa, é justamente a presunção de inocência de toda e qualquer pessoa até ao trânsito em julgado de sua condenação. É um direito fundamental, proclamado desde sempre, a começar na Revolução Francesa, continuando na Declaração Universal dós Direitos do Homem, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, etc., e também na Constituição da República Portuguesa. Trata-se de uma consequência da protecção da liberdade individual e, por isso, no âmago da questão da dignidade humana. Se quiséssemos até hierarquizar, este seria mesmo um princípio superior à própria-liberdade de expressão, à qual se impõe e, por isso mesmo, tende a limitar.
Sendo este o pano de fundo, então, a questão não está no segredo de justiça, com várias finalidades, entre as quais também a da salvaguarda desse grande princípio da presunção da inocência. A grande questão não estará, por isso, no segredo de justiça mas na violação do segredo de justiça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como, então, proteger melhor, na sociedade comunicacional em que nos encontramos, esse outro grande valor, a presunção da inocência? Eis a questão que importa colocar, porque só colocando bem uma questão se poderão encontrar boas soluções: como proteger melhor, numa sociedade de comunicação, a presunção de inocência?
Acrescentemos ainda que o segredo de justiça tem outras finalidades nobres, uma delas, seguramente, servir a verdade. Assim, na fase do inquérito, na fase da investigação, fase preliminar de recolha de indícios de prova, a protecção da sociedade contra o crime - possível, eventual crime - leva a que, para nós, seguramente o segredo de justiça seja intocável, absoluto. É que convém não desarmar o Estado para procurar descobrir a verdade e combater o crime. Em segundo lugar, o segredo de justiça tem, seguramente, de servir a presunção da inocência, já aqui focada, tanto na fase preliminar do inquérito como nas fases subsequentes, onde o princípio da presunção da inocência continua a vigorar - e esse é sempre até à fase final de trânsito em julgado. Teoricamente, portanto, o modelo do actual Código de Processo Civil e de muitos outros, com o segredo de justiça ainda na fase da instrução, tem muita razão de ser pelo valor da presunção da inocência, seguramente, mas ainda até pela parte de servir a verdade e de recolher a prova suficiente da acusação, uma vez que, depois, a fase da instrução, como todos sabem, é ainda uma fase preliminar que visa a comprovação judicial da decisão de deduzir a acusação.
É nessa parte que, para nós, PSD, podem abrir-se, de facto, outras excepções, a juntar-se àquelas já previstas no actual Código de Processo Penal. Designadamente, se a instrução é facultativa e requerida pela parte interessada o acusado -, pode perfeitamente deixar-se nas mãos do acusado a liberdade, a faculdade de requerer o levantamento do segredo de justiça, na medida em que entenda que, face ao julgamento na praça pública de que está a ser objecto, melhor pode defender a sua imagem, o seu bom nome e a sua reputação. Por isso, é perfeitamente plausível que, na fase da instrução, onde, por princípio, se continua a justificar o segredo de justiça, todavia se possa acrescentar «salvo se o acusado requerer o seu levantamento». E, mesmo assim, o juiz, em nome do outro grande valor - o valor da verdade - e de outros valores, ponderará se deve levantar o segredo de justiça e ir para a publicidade, pelo menos nas mesmas circunstâncias em que o pode fazer actualmente na fase do julgamento que tem por princípio a publicidade mas, excepcionalmente, pode justificar-se a audiência não pública.
Ora, tudo isto porque são muitas as circunstâncias, dados os tempos diferentes da justiça e da comunicação social, em que a honorabilidade das pessoas e a presunção, longe de ser a presunção da inocência, acaba por ser a presunção de culpado. A gestão dos tempos na comunicação social e na justiça é totalmente diferente: a justiça exige reflexão, ponderação, tempo para sopesar - por isso o seu símbolo é a balança -, exige muito bom-senso, muito equilíbrio no sopesar de todas as circunstâncias, e também a audiência da outra parte, audi alteram partem. A comunicação tem o seu tempo totalmente diferente: é o tempo da celeridade, da rapidez, é o tempo do sensacionalismo, é o tempo onde o importante é ver quem chega primeiro à notícia e a divulga. Mas, com isto, sofre graves riscos o cidadão, que, longe de ver garantida a presunção da inocência, é posto na praça pública como culpado, mais do que um simples presumido culpado até. Por isso, o