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16 DE OUTUBRO DE 1997 109

segredo de justiça, se levado à outrance da sua origem, acaba por ser um segredo da presunção de culpado e não da presunção de inocência. Sendo assim, permita-se que, a requerimento do acusado, possa levantar-se esse véu, para que não sirva de capa a uma verdade não demonstrada, não provada.
E não nos esqueçamos de que cabe a quem acusa provar os factos, provar aquilo em que fundamenta a acusação, e não à vítima inocente demonstrar que não são verdadeiros.
Estes problemas são, de facto, complexos, delicados e, por isso, a nossa contribuição, hoje mais de ordem doutrinária e valorativa, ou jurídico-valorativa, amanhã com outro status. Nós próprios, PSD, apresentaremos as nossas alternativas nesta matéria, como esperamos que o Governo traga também à Assembleia a sua solução para o problema, hoje um problema no coração da própria sociedade democrática, na certeza de que, em conjunto, poderemos assim encontrar a solução e na certeza também de que uma das principais, se não mesmo a principal, missões de soberania do Estado é assegurar uma justiça aequa, rápida e pronta, mas sempre uma justiça justa.
(O orador reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que há pouco fiquei surpreendida quando o Sr. Deputado Luís Queiró, a propósito desta matéria, associou a esquerda ao partido do Kundera, ao Partido Socialista.
Sr. Deputado, penso que não ouviu bem o que eu disse no meu pedido de esclarecimento: disse que o projecto de lei do PP continha linhas que nos pareciam correctas em relação ao segredo de justiça e que não absolutizava o segredo de justiça nem impedia nem restringia o direito à informação. Devo dizer-lhe até que, em aparte, comentei, em relação às duas intervenções, que tinham mudado de bancada porque me surpreendeu o facto de o PP apresentar este projecto de lei e que fiquei muito surpreendida com a intervenção do PS, que é muito diferente de outras intervenções feitas em alturas passadas, sobre esta questão do direito à informação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, acho que se impõe, dadas as circunstâncias que enquadraram a apresentação do presente projecto de lei, que se comece por precisar um facto que consideramos indesmentível: - na alteração do regime actual do segredo de justiça, confluem interesses de todos - dos cidadãos, da magistratura e da comunicação social. Os cidadãos vítimas de crimes pretendem que o segredo de justiça se limite ao estritamente necessário à investigação dos crimes de que foram vítimas; os arguidos beneficiarão de que o segredo de justiça se limite ao que é estritamente necessário à defesa do seu bom nome e reputação, assegurando tal direito, por exemplo, a revelação pelo tribunal, em resultado de acto de investigação, de que, afinal, o crime participado (que até pode estar já na comunicação social) não foi de tal gravidade, embora possam prosseguir investigações no sentido de um crime menos grave - isto é em benefício do arguido. A magistratura beneficiará porque se tornará mais transparente, nomeadamente se puder ela própria ajuizar sobre se determinados actos investigatórios ainda devem estar sujeitos ao segredo de justiça, e porque, desta forma, se cimentará a sua independência. Os jornalistas verão reforçado o seu direito de acesso às fontes de informação, direito fundamental consagrado na Constituição da República; o próprio sensacionalismo de alguma comunicação social, que é ditado pelos que mandam nessa comunicação e ordenam aos profissionais que ajam de determinada maneira, perde assim margem de manobra.
Este é o quadro que impõe a alteração das normas de processo penal relativas ao segredo de justiça, sem esquecer a necessidade de alteração de algumas outras, em nome de direitos constitucionais, como acontece com as relativas à proibição de testemunhar sobre aquilo que o Governo considere segredo de Estado, porque isso representa uma submissão da justiça ao poder executivo, uma manifesta violação do princípio da separação de poderes. Esperamos para ver se no próximo Código de Processo Penal este artigo estará alterado!
Isto sem esquecer algumas normas do Código de Processo Penal que têm tido a leitura inconstitucional que permite a coacção sobre o jornalismo de investigação para revelação das fontes de informação e sem esquecer também a proibição de apresentação de declarações de voto dos juízes discordantes de sentenças penais, apenas nos tribunais de primeira instância.
É, pois, vasto o campo em que terá de haver uma alteração do secretismo, tanto do secretismo de Estado como do secretismo da justiça.
Os magistrados do Ministério Público e os magistrados em geral há muito - ruas há muito mesmo! - que vêm chamando a atenção para a necessidade de alterar o segredo de justiça, que, visando proteger a investigação e, simultaneamente, o bom nome e reputação dos cidadãos, asseguraria também a independência da magistratura contra lobbies de pressão.
Recentes exemplos evidenciaram que a extensão do segredo de justiça, para além da investigação, foi origem de violentos ataques à Magistratura.
De facto, embora o segredo de justiça não esteja configurado no Código em termos absolutos, a verdade é que a forma desproporcionada de protecção do mesmo, que tem passado despercebida sempre, que são estratos sociais anónimos a confrontarem-se com a violação do seu bom nome - parece que o não têm, já que ninguém se importou -, desvaloriza o segredo de justiça, apaga-o da consciência social, por forma a que o mesmo é violado quase quotidianamente, sem a consciência, no público em geral, de que se está a cometer um crime, contribui para a imprensa sensacionalista, ofendendo o jornalismo sério de investigação. Este quadro forma uma cena mediática forte avessa ao jornalismo sério, retira transparência e enfraquece as instituições democráticas.
Será no equilíbrio de todos os interesses em confronto, os quais podem e devem ser harmonizados, que deve ser reformulada a legislação processual penal em tudo o que o que contenha um secretismo que não se coadune com os critérios de adequação, proporcionalidade e necessidade na restrição a direitos constantes do artigo 18.º da Constituição da República; que deverá ser reformulada a