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164 I SÉRIE - NÚMERO 5 

da legislação laboral, que, neste como noutros domínios, dificilmente se resolve com alterações à legislação vigente.
Quer o regime jurídico da cedência ocasional de trabalhadores previsto, no Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, quer o quadro legal aplicável à transmissão de estabelecimento previsto e regulado no Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro, cumprem, do ponto de vista da consagração legal, níveis elevados de protecção dos trabalhadores, parecendo-nos ajustados e equilibrados.
Neste contexto, o projecto de lei do PCP afigura-se positivo, porquanto consagra nalguns aspectos uma melhoria e aprofundamento dos direitos dos trabalhadores no domínio da cedência ocasional de trabalhadores e da transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, como seja, por exemplo, a consagração da comunicação aos organismos representativos dos trabalhadores.
Contudo, noutros aspectos, o regime jurídico da cedência ocasional de trabalhadores e da transferência de empresas ou de estabelecimentos, proposto pelo PCP através da presente iniciativa legislativa, afigura-se, do nosso ponto de vista, repetitivo, inadequado e confuso.
Assim, apenas podemos concordar e aceitar parcialmente as soluções preconizadas pelo PCP.
Desde logo se diga que, por motivos de sistematização e harmonização jurídicas, a técnica seguida pelos autores da iniciativa legislativa em análise não nos parece a mais adequada. De facto, existindo já no ordenamento jurídico-laboral português um regime legal aplicável às matérias objecto do projecto de lei, parecer-nos-ia, do ponto de vista da técnica jurídica, mais correcto proceder a alterações ao Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, e ao Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro, ou, em alternativa, criar um regime específico aplicável àquelas matérias, revogando a legislação vigente relativa às mesmas. O que o PCP propõe é uma solução que fica a meio caminho, de difícil articulação, podendo, por isso, ser geradora de confusão e incerteza jurídicas.
Do ponto de vista das soluções preconizadas e no que respeita à cedência ocasional de trabalhadores, o projecto de lei em apreço, para além de confuso, é nalguns aspectos - até nefasto para os interesses dos trabalhadores. Senão, vejamos:
A cedência ocasional de trabalhadores, embora ocorra normalmente no interesse da vida das empresas, muitas vezes é no interesse dos próprios trabalhadores, que assumem a mobilidade laborai, como um aspecto qualificante e valorizador da sua carreira profissional.
As diversas formas de mobilidade profissional são hoje vistas não apenas como um instrumento ao serviço das empresas para dispensar recursos humanos, mas também, nalgumas situações, como uma oportunidade dos próprios trabalhadores obterem mais qualificações e saberes profissionais, que contribuem para valorizar a sua carreira profissional, tornando-os também mais aptos e capazes de responder a uma situação involuntária de desemprego.
Neste sentido, e ao contrário do que é defendido pelo PCP, não nos parece sustentável estabelecer um prazo máximo de cinco anos para a cedência, porque os trabalhadores, se desejarem a mobilidade, não devem ser impedidos de concretizar esse direito. Aliás, alguns ilustres jus-laboralistas, como seja o Prof. Menezes Cordeiro, contestam o regime jurídico em vigor por impor algumas restrições à cedência ocasional de trabalhadores. Refere aquele Mestre de Direito, relativamente ao regime jurídico da cedência ocasional de trabalhadores, que «(...) na parte em que se proíbe a cedência dos trabalhadores, mesmo com o acordo do próprio, há uma clara inconstitucionalidade, por violação da liberdade de trabalho, assegurada pelo artigo 47.º, n.º 1, da CRP, e pelo artigo 23.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem».
Em suma, as condições de licitude da cedência ocasional de trabalhadores, previstas já no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 358!89, parecem-nos suficientes e equilibradas para salvaguardar os direitos e os interesses dos trabalhadores. A necessidade ou condição de acordo do trabalhador é, por si só, garante dos seus direitos. A estatuição de um limite máximo de duração do contrato de cedência parece, pois, despropositado, impedindo os trabalhadores que desejem estar em situação de cedência por mais de cinco anos de o fazer, para além de susceptível de violação do preceito constitucional que garante a todos os trabalhadores a liberdade de trabalho.
Por outro lado, o projecto de lei vertente, ao consagrar o acréscimo temporário e excepcional de actividade na empresa cessionária como condição necessária para a cedência, para além de reduzir o instituto da cedência ocasional aos interesses da empresa, esquecendo os dos trabalhadores que desejam a mobilidade profissional, encerra em si mesmo uma contradição, já que impõe uma solução de difícil articulação com o estabelecimento do limite máximo de cinco anos para a duração da cedência. Será que o PCP considera acréscimo temporário e excepcional de actividade de uma empresa aquele que decorre durante cinco anos?
Relativamente ao contrato de cedência ocasional, também não se vêm razões para alterar o regime vigente. Por quê impor às empresas a fundamentação da necessidade de cedência, se esta, nos termos legais, só pode ocorrer com o acordo do trabalhador? Por outro lado, não se vê igualmente o efeito útil da exigência das assinaturas dos outorgantes do documento que titula a cedência deverem ser notarialmente reconhecidas.
No que respeita às modificações dos contratos existentes, entende-se que o regime jurídico a aprovar deverá vigorar apenas para os contratos de cedência ocasional celebrados a partir da data da sua entrada em vigor. De facto, justifica-se, em nome da segurança das relações jurídicas e por recurso às normas gerais de direito civil sobre a aplicação. da lei no tempo - artigo 12.º do Código Civil -, que a lei a aprovar vigore apenas para o futuro.
Estes são, pois, alguns aspectos consagrados no projecto de lei em discussão, que, em nosso entender, devem carecer de uma profunda análise, por forma a que o regime a aprovar possa, de facto, traduzir-se num reforço dos direitos dos trabalhadores no domínio da cedência ocasional.
Em todo caso, o projecto de lei em apreço apresenta algumas inovações face ao regime jurídico vigente da cedência ocasional de trabalhadores, designadamente, a participação dos organismos representativos dos trabalhadores; a possibilidade de resolução do contrato de cedência por parte dos trabalhadores em determinadas situações justificadas; e as formalidades impostas para a renovação do contrato de cedência e a cessação, suspensão da actividade ou extinção da empresa cessionária.
Trata-se de aspectos pontuais, constantes do projecto de lei do PCP, que poderão, de facto, assegurar de forma mais eficaz os direitos dos trabalhadores em situação de cedência ocasional e que, por essa razão, deverão ser ponderados e até melhorados em sede de discussão na especialidade, caso o diploma venha a merecer a aprovação do Plenário da Assembleia da República.