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2778 I SÉRIE - NÚMERO 77

do, quero começar por homenagear os homens e as mulheres que, ao longo desses opacos e sombrios 48 anos de autoritarismo político, tudo adiaram e de quase tudo prescindiram nas suas vidas - do amor, da família, da profissão, do percurso individual - para atenderem a uma única urgência vital, a de lutar pela deposição de um regime que coarctava os direitos cívicos e políticos, esmagava a liberdade e oprimia ferozmente os portugueses.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Esses resistentes, que nunca abdicaram da esperança na dignidade humana, foram, pelos seus gestos e atitudes, as estrelas que guiaram a liberdade nos penosos tempos da noite fascista. Pela sua própria condição, esses homens e essas mulheres estão muito para além das homenagens que institucionalmente lhes possamos prestar e se os evoco hoje, aqui, é mais por nós do que por eles. Nesses gestos de grandeza inteiramente generosa, eles não se limitaram a legar um exemplo, outorgaram-nos também uma indeclinável responsabilidade cívica ao mesmo tempo que nos proporcionaram a possibilidade de reconciliação com o que de melhor a humanidade pode comportar. Nessa resistência estava mais do que a resistência, estava sobretudo a afirmação do homem que, ante o destino trágico, não verga, estava a lição fundamental do humanismo, tal como a nossa civilização o concebeu e consagrou nos seus momentos mais luminosos.
Não é pois sem emoção que, nesta Câmara, onde a liberdade plana entre as consciências que discordam, ouso evocar os que não cederam, os que não abdicaram, os que nunca desistiram. Nenhum deles teria como certo o êxito da luta que travava, mas levaram-na a cabo com um empenhamento absoluto que não decorria de qualquer expectativa concreta, mas antes de uma convicção funda que não conhecia hesitações. Porque a liberdade e a democracia não são um destino natural para os povos mas, sim, o resultado de vontades que tantas vezes têm mesmo de saber forçar o destino.
Talvez esses homens e essas mulheres pareçam demasiado velhos para o tempo vertiginosamente célere que vivemos, talvez a sua imagem surja longínqua e ténue. E é por isso mesmo que temos acrescida necessidade de os lembrar, porque nós sabemos que muitas vezes o assassinato da memória constitui um grave crime contra o futuro.

Aplausos do PS.

Durante 48 anos vigorou, em Portugal, um regime que cultivava uma visão anacrónica do país, que nos projectava fora do tempo e do espaço, nos impermeabilizava às correntes do pensamento que percorriam a Europa e o mundo, nos condenava ao estatuto desse "Portugal em diminutivo", como compreendeu o génio de Alexandre 0'Neill. Era o tempo do medo, da censura, da tortura, da polícia política, dos tribunais plenários, do exílio, da opressão, da denegação dos direitos cívicos e políticos, da injustiça e da intolerância. E era, para além disto tudo e sob isto tudo, o tempo de uma imensa hipocrisia, desse fascismo de aparentes brandos costumes que reprimia desde logo pela inibição, que censurava antes de mais pelo condicionamento mental, que torturava pela ameaça constante do recurso à tortura, não hesitando porém em recorrer à mesma, de forma cruel e bárbara sempre que a profilaxia do medo não funcionava. Era o tempo da pequena barbárie de todos os dias, que devassava intimidades, vigiava consciências, agrilhoava o sonho, a imaginação, as pequenas utopias que cada ser humano inelutavelmente transporta consigo.
Esse tempo acabou em 25 de Abril de 1974. Saúdo com entusiasmo os Capitães de Abril que restituíram a liberdade ao povo português.

Aplausos do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Nenhuma revolução se leva a efeito sem alguma dose de inocência, neste caso bem patenteada na atitude desses jovens capitães que ousaram, num admirável gesto de insubordinação, romper com a ordem instituída, pondo fim a um regime que não apresentava perspectivas de auto regeneração e se regidificava em torno de dogmas absolutamente anquilosados.
Recordo a imagem, que ficará como um ícone para a história, do capitão Salgueiro Maia, em cima de um carro de combate, olhando solitariamente para a mais gregária das multidões, o povo de Lisboa libertado das grilhetas, festejando com genuína alegria o fim da ditadura.

Aplausos do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes.

Essa imagem perdurará como uma espécie de metáfora da Revolução. Lá está o militar, num gesto heróico e simples, e o povo ao fundo, um povo que já não aceita se não ser o sujeito do seu próprio devir histórico.
Como todas as revoluções também esta gerou vicissitudes diversas, originou, contradições, proporcionou eventuais perversões; mas, como poucas, esta foi uma Revolução pacífica e mesmo os excessos que possa ter provocado rapidamente foram recuperados e reconduzidos para a pureza original do acto revolucionário que consistia em restituir a liberdade ao País.
Nesta circunstância, cabe elogiar o elevadíssimo sentido de civismo do povo português e a excepcional lucidez política de que, em contexto tão conturbado, deu inegáveis provas. Em poucos anos, o País solidificou uma democracia parlamentar, erigiu um regime constitucional assente no primado do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, encetou um processo de desenvolvimento económico e social de vastas proporções, projectou-se na cena internacional e adquiriu um novo prestígio na comunidade das nações.
Pelo meio, levou-se a cabo um processo de descolonização que permitiu o acesso à independência de povos e países que por ela lutavam e também aí revelámos a sabedoria necessária para não percebermos como traumática uma amputação territorial inevitável. Aproveito, aliás, este ensejo para saudar nas pessoas do Sr. Presidente da República de Moçambique e do Sr. Presidente da Assembleia Nacional da Guiné Bissau hoje aqui presentes, o que muito nos honra, os povos e os países irmãos de África, que alcançaram a independência na sequência do 25 de Abril...

Aplausos gerais.