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1744 | I Série - Número 43 | 01 de Fevereiro de 2001

 

a nível humano, social, familiar e económico. E esta discussão deve servir para esclarecer a opinião pública e não para a deixar mais confusa.
É preciso agir, sem preconceitos, nem paternalismos, com sentido de responsabilidade, para evitar mais mortes, mais contaminações, mais degradação humana e social, mas é preciso também fazê-lo com humanismo e tolerância, numa abordagem que compreenda a dimensão múltipla deste drama que arrasta milhares de pessoas para as margens da vida e da sociedade, pessoas que acabam por ser consideradas por muitos uma espécie de não gente, um foco potencial de doenças, inaptos para o desempenho de qualquer tarefa social.
Só que, muitas vezes, esquecemos que eles podem ser nossos familiares, amigos ou conhecidos. E de vez em quando lá vamos ouvindo dizer que fulano de tal morreu com uma overdose, já totalmente impotentes para fazer algo. E, infelizmente, as mortes relacionadas com o consumo de droga têm aumentado de forma preocupante nos últimos anos.
Muitas vezes optamos também por ignorar que essas pessoas lutam desesperadamente para regressar à vida, para poderem estar junto da família e dos filhos, para saírem da sordidez e dos ambientes viciosos em que se encontram, e desejam, mais do que ninguém, voltar a ter um projecto de vida e uma perspectiva de futuro.
É esta a mensagem central do princípio do humanismo, que inspirou a elaboração da «Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga», importante e exaustivo documento aprovado pelo Governo na anterior Legislatura e que, gradualmente, tem vindo a ser posto em prática. Uma verdadeira estratégia global e integrada, que apresenta caminhos para as diversas vertentes do problema das drogas, como o diploma que o Governo vai agora apresentar para discussão pública no âmbito da redução de danos e riscos, em que as salas de injecção segura são uma entre as muitas medidas previstas.
Mas é também preciso compreender que a abordagem humanista do problema da toxicodependência exige pragmatismo, isto é, uma atitude sem a interferência de preconceitos, tantas vezes paralisadores da acção.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este projecto de lei é, assim, um bom meio para promover uma discussão pública alargada, porque, apesar da urgente necessidade de se apresentarem medidas inovadoras para a redução de danos e riscos na toxicodependência, é aconselhável que uma matéria que tem gerado alguma controvérsia seja apresentada de forma pedagógica e se criem consensos, já que é necessário envolver outros parceiros e instituições neste combate. A urgência de se encontrarem soluções que reduzam os danos não nos deve fazer avançar de tal forma que um passo em frente possa dar origem a dois para trás, mesmo que as experiências que existem com salas de injecção segura apresentem resultados bastante encorajadores.
Com efeito, não se deve ignorar que as experiências holandesa, suíça, alemã e espanhola proporcionaram a recuperação a muitos toxicodependentes, uma melhoria das suas condições de vida, a diminuição do número de mortes por overdose e de contaminações com doenças infecto-contagiosas, que a segurança e a aprazibilidade regressou a algumas zonas e que a criminalidade baixou. Isto não pode nem deve ser ignorado. Mas também é legítimo considerar que uma medida deste género não pode ser apresentada de forma isolada e desenquadrada, como o faz agora o Bloco de Esquerda. Para além das paredes das salas de injecção assistida, não é aqui considerada qualquer política global e integrada de redução de danos e riscos, qualquer estratégia de prevenção, apoio e tratamento ou coordenação das actividades e funções dos diversos intervenientes. Como afirma o responsável pela política de drogas da cidade de Frankfurt, «as salas de injecção segura sozinhas não fazem sentido, mas integradas num sistema de ajuda a toxicodependentes são muito úteis».
Pretender criar isoladamente salas de injecção segura sem deixar claro que o tratamento e a reintegração social são o horizonte final de todas as políticas de redução de danos e riscos pode levar a incompreensões, a aproveitamentos políticos capazes de prejudicar o processo, dificultando assim a adopção de medidas inovadoras e pragmáticas. Não queremos que a criação de salas de injecção segura fique associada a uma facilitação ou banalização do consumo, ou a uma pré-liberalização das drogas, como gostam de argumentar muitos partidos da direita, tanto em Portugal como em outros países da Europa. Em definitivo, não é nada disto que se trata. Trata-se, antes, de uma necessidade imperiosa de apresentar soluções inovadoras, sem perder de vista que o problema da droga é mundial e praticamente impossível de erradicar.
É que, apesar dos esforços sempre maiores para combater o tráfico, a droga continua a existir e os traficantes a descobrir novos e sofisticados meios de iludir as autoridades. Por exemplo: proibiu-se o ópio, surgiu a heroína; combateram-se as drogas leves, surgiram as duras; combateram-se as drogas duras, apareceram as de síntese; eliminaram-se plantações de ópio na Tailândia, surgiram com mais força no Afeganistão; desmantelou-se o cartel de Medelin, surgiu o de Cali, ainda mais violento; elimina-se um barão da droga, já está outro no seu lugar; e assim sucessivamente perante a impotência das autoridades nacionais e internacionais que, de boa fé, lutam contra este flagelo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Portugal, já há um importante trabalho na redução de danos e riscos. Os programas de troca de seringas funcionam bem e já permitiram uma desaceleração da contaminação por doenças infecto-contagiosas, apesar de Portugal registar ainda uma das maiores taxas de incidência da União Europeia. Dados do Instituto Português da Droga e da Toxicodependência, referentes a 1999, indicam que os programas de substituição de opiáceos abrangeram cerca de 6000 pessoas, 80% das quais com metadona, tomadas nos CAT, Centros de Saúde e farmácias. A experiência integrada do Casal Ventoso constitui uma referência indiscutível. As equipas de rua e os projectos de redução de riscos em Lisboa, Porto, Coimbra, Algarve e em outros sítios do País têm feito um importante trabalho de aproximação aos toxicodependentes, contribuindo decisivamente para os conhecer melhor e os orientar para os centros de tratamento.
Mas importa ir mais longe, mais fundo e de outra forma e o projecto de lei do Bloco de Esquerda é claramente insuficiente e fica muito aquém desses objectivos. É por isso que não podemos dar o nosso assentimento.