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0848 | I Série - Número 023 | 29 de Novembro de 2001

 

resolvida, tem de ser resolvida, única e exclusivamente, através do aumento da dotação provisional - é para isso que serve a dotação provisional.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Ou, então, Sr. Ministro, tem mesmo de alterar o mapa das despesas. Nem vemos onde está o problema! Dentro, obviamente, de limites razoáveis, o aumento da despesa não é nenhum drama, designadamente quando tal tem a ver com a necessidade de aumentar o investimento público e as despesas sociais. Problema e drama é o que nos é apresentado: uma mentira orçamental, que só desprestigia as instituições e o País.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Acresce ainda, Sr. Ministro das Finanças e Sr. Primeiro-Ministro (que não está cá), que o total das receitas que o Governo apresenta no novo Mapa I (8,968 000 milhões de contos) e que é igual ao do primeiro Orçamento rectificativo, está «errado», insisto, está errado, também em quase 100 milhões de contos, mais precisamente em 96,7 milhões de contos. Deviam ser de 9,065 000 milhões de contos. Porquê? Trata-se de um mero erro de soma? Então, têm de o corrigir. Ou, face a esta estranha coincidência dos números, tal quererá dizer que o Governo, propositadamente, introduziu um número errado na soma total das receitas para melhor poder escamotear a necessidade de alterar o mapa das despesas, sabendo-se, como se sabe, que, à luz da Lei de enquadramento orçamental, o valor global das receitas mais os passivos financeiros - o nível de endividamento - tem de ser igual ao valor das despesas? Não o queremos crer, Sr. Ministro. No mínimo, é a mais completa e total falta de rigor.
Mas suspeitamos, Sr. Presidente, que alguns membros do Governo acreditaram demasiado nos disparates do livro do ex-ministro do Partido Socialista Marçal Grilo, pensando que aqui, na Assembleia, somos todos «uns tontos» e que quaisquer números orçamentais servem para enganar o Parlamento e o País. Enganam-se redondamente, como vários episódios do debate orçamental já o provaram amplamente, e, por isso, depois, fazem tristes figuras e têm de dar o dito por não dito.
Tudo isto constitui, Srs. Deputados, um facto sem precedentes, que deve merecer o mais severo julgamento desta Assembleia, e o mais severo julgamento é mandar este Orçamento rectificativo para trás, chumbando-o.
Mas, como se não fosse suficiente, há mais razões para recusarmos este segundo Orçamento rectificativo.
O Governo apresenta-nos uma quebra de receita fiscal da ordem dos 200 milhões de contos e 40% deste valor deve-se ao IRC. Será isto, como o Governo justifica, unicamente o resultado de um abrandamento do «dinamismo económico nacional e internacional»? Em parte é possível que sim. E só esta questão deveria ser alvo de uma profunda reflexão para, de uma vez por todas, se perceber as razões porque é que a nossa estrutura produtiva é aquela que, em toda a União Europeia, mais profundamente sofre periodicamente os efeitos dos ciclos de crises e menos está preparada para lhes responder. A isto não são estranhas, seguramente, as políticas económicas que têm sido seguidas e que têm vindo a destruir progressivamente o nosso tecido produtivo, sem capacidade competitiva, assente cada vez mais nos voláteis mercados financeiros e em meia dúzia de grandes grupos económicos, excessivamente dependente da procura externa.
Mas a crise económica não explica tudo. A quebra na cobrança da receita fiscal em relação ao projectado tem três grandes explicações.
A primeira é a sobreavaliação das receitas a arrecadar no Orçamento do Estado para 2001, que criou um cenário de ficção, para procurar esconder o défice real por causa do Pacto de Estabilidade. O Governo constrói, assim, Orçamentos de ficção, que, mais tarde ou mais cedo, acabam por rebentar, criando ainda mais dificuldades à expectativa dos agentes económicos e dos trabalhadores, bem como à credibilidade das previsões económicas e do País.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Orçamento do Estado para 2002 sofre claramente da mesma megalomania orçamental. E, apesar de, a meio da sua discussão, o Governo já ter apresentado novas previsões para o crescimento económico, que, além do mais, colocam em causa todo um Orçamento já debatido e aprovado na generalidade, veremos se, em 2002, não teremos mais uns quantos Orçamentos rectificativos.
A segunda explicação está no laxismo com que tem sido encarada pelo Estado a cobrança da receita fiscal e o combate à fraude e à evasão. Conhece-se o escândalo que representa a fraquíssima tributação efectiva do sistema financeiro e o facto de um terço da sua poupança fiscal ter origem nas operações realizadas através do offshore da Madeira. O que fez o Governo, até ao presente, para atacar frontalmente este escândalo? Nada! Os interesses e as pressões da Associação Portuguesa de Bancos têm-se sempre sobreposto aos interesses do País, tal como os que se têm oposto a que termine o alto nível de benefícios fiscais não produtivos, que só no tempo dos dois governos do Partido Socialista cresceram 177%. Como, aliás, volta agora a acontecer no Orçamento do Estado para 2002, com a suspensão da tributação das mais-valias, com o alívio do controle de movimentos de capitais em offshore e, ainda, com as anunciadas benesses da autorização para a criação de uma nova provisão para os riscos anticíclicos da banca, não sujeita a tributação.
Mas também os impostos especiais de consumo são fonte de uma gigantesca evasão fiscal. São dignos de um filme do tempo da lei seca os célebres carrosséis de entrepostos, que continuam calmamente a existir e por onde se esvai grande parte do imposto sobre o tabaco e dos impostos sobre as bebidas alcoólicas.
Como igualmente poderíamos falar, Sr. Ministro, nos sucessivos e escandalosos perdões fiscais que, periodicamente, se vão conhecendo e que são também uma das causas da quebra de receita. O último é o perdão de 2 milhões de contos a empresas portuárias de Setúbal. Uma das empresas em causa, gestora de mão-de-obra portuária e cliente de um conhecido escritório de advogados de Lisboa, conseguiu que a Direcção de Serviços da Justiça Tributária, tutelada pela Direcção-Geral de Impostos, considerasse que a empresa em causa, sem património conhecido, fosse considerada uma associação sem fins lucrativos,…

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Um escândalo!

O Orador: - … e, por isso, nem ela nem os seus administradores têm de responder pelas dívidas fiscais.