39 | I Série - Número: 056 | 3 de Março de 2007
frustradas e espezinhadas com total indiferença e desprezo, como quem usa, abusa e deita fora os professores como se fossem descartáveis.
A urgência, a fúria e a cegueira do Governo foi de tal ordem que, em seis meses de negociações praticamente inexistentes com os sindicatos, num calendário estabelecido unilateralmente pelo Governo, este se limitou a cumprir no mínimo aquilo a que a lei o obrigava, não tendo recuado em nada do que era fundamental, demonstrando ainda uma postura de surdez, de arrogância e de soberba indignas, distinguindose claramente do anterior processo negocial da reforma de 1998, para, aliás, fazer algo que não representava uma necessidade ou prioridade premente para o nosso sistema público de educação.
Pela primeira vez, nenhuma organização representativa dos direitos dos docentes apoiou uma reforma implementada pelo Governo, tendo-se unido num amplo consenso, numa ampla plataforma que, de uma forma séria, empenhada, profundamente crítica e reivindicativa, demonstrou a sua justa razão, isolando por completo a Sr.ª Ministra da Educação.
Na defesa desta reforma, o Governo e o Partido Socialista gastaram o latim a falar do mérito, da vergonha que era os professores progredirem automaticamente — como se isso fosse verdade, como se, ao acumular de anos de serviço, não acrescesse já a obrigatoriedade de realizar e obter aproveitamento nas acções de formação contínua, não acrescesse já mecanismos de avaliação em prática nas escolas —, que era preciso avaliar — como se os professores temessem ser avaliados, desde que essa avaliação seja justa, isenta e adequada —, encheram os ouvidos dos portugueses com mentiras, caluniando os professores e arrastando para a lama a dignidade da função docente, acusando professores e educadores de serem responsáveis pelo insucesso escolar, fazendo, não vista grossa, mas assumindo a mais negra cegueira, a daqueles que não querem genuinamente ver, e procurar, entre as muitas causas do insucesso, do abandono, as de natureza socioeconómica, a falta de condições do parque escolar, as insuficiências da rede do pré-escolar, a falta de material e de equipamentos, a falta de pessoal, de professores, de professores de apoio, essencialmente a falta de vontade de mudar que tem ocupado a cadeira do Ministério da Educação nas últimas décadas, assumindo, de uma vez por todas, a educação como uma prioridade, como o investimento mais precioso que podemos realizar.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Face aquele discurso de desvalorização da função docente, da necessidade de erigir o mérito em único critério, da exigência de avaliação que o Governo prosseguiu, qual foi o seu caminho? Se entendiam que a avaliação existente não funcionava bem e necessitava de ser aperfeiçoada, podiam têlo feito; se entendiam que a formação contínua era mal ministrada, não contribuía para os objectivos pretendidos e era mal avaliada ou, porventura, insuficiente, podiam tê-la tornado mais exigente e, acima de tudo, de melhor qualidade. Os professores agradeciam, pois são os primeiros interessados, em conjunto com os alunos, em melhorar a sua prática e em evoluir no sentido de aperfeiçoar o seu desempenho científico e pedagógico.
O Sr. Jorge Machado (PCP): — Exactamente!
O Orador: — Mas não foi isso que fizeram, simplesmente porque não era isso que os preocupava verdadeiramente.
O que os preocupava e o que os preocupa não é a qualidade do ensino e da escola pública, que está intrinsecamente ligada à estabilidade e valorização da função docente e dependente das condições que os fazedores de ensino — os educadores e professores — encontram dentro do espaço escolar; não é o reforço da escola democrática e com autonomia do ponto de vista do projecto educativo que melhor responda ao universo discente em causa; não é dotar as escolas de capacidade financeira adequada; não é garantir uma forma de colocação de docentes justa e transparente, através de um concurso nacional, público e democraticamente controlável.
O que os preocupava e o que os preocupa é, apenas e tão-somente, cortar na despesa da educação, seja encerrando escolas, seja não dotando os quadros dos docentes necessários, seja recusando à esmagadora maioria dos docentes o acesso aos últimos lugares da carreira, independentemente até do mérito, que tanto apregoaram, ou dos princípios da justiça e da igualdade, já que professores com a mesma capacidade, com a mesma avaliação e com o mesmo mérito relativo não terão a mesma oportunidade, dependendo da escola e dos resultados da avaliação externa da mesma ou dos critérios administrativamente fixados pelo Governo.
O que os preocupa, verdadeiramente, é enxovalhar os professores, para tentar destruir a sua real capacidade interventiva e reivindicativa nas políticas de educação e na sociedade. E, pior de tudo, o que estão a promover é a degradação da escola pública de qualidade e democrática.
Esta não é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma cruzada do Ministério da Educação apenas contra os professores e, supostamente, a favor dos alunos, dos pais ou do sucesso educativo. Esta é, verdadeiramente, de entre todas as vilanias deste Governo, a mais clara e grave afronta ao direito à educação, perpetrada através do mais baixo ataque à classe docente.