O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

22 | I Série - Número: 063 | 23 de Março de 2007

Estes problemas, este quotidiano de alguns milhões de seres humanos, de cidadãos deste planeta, está muito longe do nosso olhar, do nosso conhecimento e, felizmente, longe da nossa experiência, o que não quer dizer que no nosso país não enfrentemos igualmente, à nossa escala, problemas graves no acesso a um dos mais importantes e fundamentais bens para humanidade: a água, sem a qual a vida não seria possível.
Em Portugal, cerca de 600 000 pessoas ainda não têm garantia de acesso a água com qualidade; 44% dos nossos recursos hídricos de superfície, de acordo com dados do Instituto da Água (INAG) referentes a 2005, estão em má ou muito má qualidade, com perda de vida selvagem e de biodiversidade, negando qualidade de vida e o direito ao desenvolvimento às populações ribeirinhas, apresentando, ainda por cima, uma tendência para piorar, situação a que não é certamente alheia a insuficiente cobertura ou respostas específicas de tratamento de águas residuais e efluentes industriais e domésticos, com ETAR a laborar sem licenças de descarga, muitas delas em mau estado de conservação, ou realizando apenas tratamento primário.
Alguns dos nomes mais vezes ouvidos, eternas vítimas da inconsciência e da falta de actuação das autoridades, entre os rios mais massacrados pela poluição, alguns há várias décadas, encontram-se o Tâmega, o Odre, o Ferreira, o Inha, o Zêzere, o Tinto, o Vouzela, o Mondego, o Ave, o Tinhela, o Leça, o Ceira, o Grande da Pipa, o Trancão, o Maior, o Lis e a Ribeira dos Milagres, o Alviela, entre tantos outros.
São a imagem da vergonha que persiste em perseguir um País em que continua a tomar-se decisões erradas de construção, «betonização» e impermeabilização de solos que constituem importantes zonas húmidas de regularização do regime hídrico e de recargas de aquíferos; em que continua a existir uma deficiente monitorização da água para consumo humano; em que as perdas de água entre a captação e a utilização e o consumo atinge a média nacional estimada de 35%; um País que não trata de forma adequada mais de 50% das suas águas residuais e que é, por esse facto, continuamente «chamado à pedra» pelas instâncias europeias pelo não cumprimento da legislação comunitária, como soubemos já hoje. Portugal vai sentar-se no banco dos réus do Tribunal de Justiça das Comunidades por subsistirem 29 zonas urbanas onde ainda não estão operacionais os sistemas de colectores ou de tratamento necessários, como são os casos das ETAR de Alcântara, Matosinhos, Aveiro, Póvoa do Varzim e Vila do Conde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A água, nunca é demais lembrar, constitui um bem precioso e fundamental à vida. O «ouro azul», causa de discórdias e de possíveis conflitos armados futuros à escala regional, é um bem escasso. Renovável, mas escasso. Apesar do «planeta azul» se encontrar coberto, na sua maior parte por água, a verdade é que, de todo esse universo hídrico, principalmente constituído pelas grandes massas de água salgada dos mares e oceanos, não chega a 1% a que está ao alcance do homem em condições viáveis para satisfazer as nossas necessidades de consumo e dos outros seres vivos e ecossistemas dos quais todos dependemos. E é dessa fatia infinitamente ínfima e preciosa que todos dependemos não só para beber como para produzir alimentos, através da agricultura e da pecuária, para a indústria, comércio, turismo, etc. Não há grão de actividade humana que não dependa da água.
Daí a profunda necessidade de o homem salvaguardar a água, reconhecendo nela um bem insubstituível e, simultaneamente, um direito fundamental, inalienável da humanidade, um direito acessório e inextrincavelmente indissociável do próprio direito à vida e à dignidade da pessoa humana, valores supremos do nosso ordenamento jurídico.
A situação de seca extrema que Portugal atravessou em 2005, e que as previsões apontam para a probabilidade de se tornar uma situação recorrente e cada vez mais frequente, veio igualmente lembrar que gerir a água de forma ambientalmente sustentável, acautelando o futuro, garantindo o seu uso eficiente e racionalizado mas, igualmente, sustentável do ponto de vista social, assegurando a sua repartição de forma justa e equilibrada, é, porventura, um dos maiores desafios que se coloca à humanidade, como temos dito, e uma das mais indeclináveis tarefas do poder político, nos seus mais diferentes níveis.
É que a água e os recursos hídricos, pela sua escassez e pela sua preciosidade, são bens extremamente apetecíveis para os «grandes senhores do dinheiro», que em tudo põem um preço, de tudo querem fazer um negócio e uma oportunidade de lucro, não conhecendo limites o seu apetite voraz e sem escrúpulos, e só compreendem a lógica de chegar primeiro que a concorrência, vender ao mais alto preço e com o mais baixo custo, para obter o máximo rendimento.
Face a esta situação de escassez mundial e nacionalmente reconhecida como uma ameaça e uma grande preocupação, seria fundamental que se agisse, por um lado, no sentido de melhorar os actuais sistemas de abastecimento e de tratamento de águas residuais e os serviços prestados às populações, combatendo as fugas e os desperdícios, salvaguardando a qualidade dos recursos de superfície e os lençóis subterrâneos, e, por outro lado, no sentido de tomar medidas que respondessem à necessidade de tornar os consumos e as utilizações mais eficientes e racionais e, simultaneamente, acessíveis a preços justos e socialmente adequados.
Contudo, a verdade é que a prioridade deste Governo não foi, infelizmente, virada para a implementação, por exemplo, do Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, instrumento fundamental, com medidas muito importantes, que, desde 2001, continua na gaveta, à espera de melhores dias. O Governo dele não se lembrou na elaboração do Programa do Governo, dele não se lembrou, igualmente, na elaboração do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, e votou-o ao esquecimento.