13 | I Série - Número: 048 | 15 de Fevereiro de 2008
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A questão do número de interrupções verificadas não merece comentários de tipo normativo — é o que é. Mas, mais importante do que comentar se os números são elevados ou diminutos, importa sublinhar que, uma vez que as mulheres possam realizar a interrupção voluntária da gravidez (IVG) no quadro da lei, os números em si não merecem qualquer comentário especial.
Até porque não seria o número mais ou menos elevado de interrupções que viria a justificar a opção política claramente sufragada em referendo nacional e, depois, pela Assembleia da República, promulgada pelo Presidente da República, transposta em lei e devidamente regulamentada.
A opção, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é política e é de fundo; transporta em si mesmo um significado filosófico claro, no qual nos revemos e pelo qual nos batemos, e não é susceptível de ser diminuída pelos seus números.
Mas este comentário não prejudica um outro: o volume de interrupções verificado prova que a nova lei não veio incentivar a prática de interrupção voluntária da gravidez, de acordo com o argumento que aqui mesmo utilizámos. Sempre dissemos que não se tratava de favorecer, liberalizar ou, absurdamente, defender por si só, como coisa boa, a interrupção voluntária da gravidez, em suma, de promover o aborto, mas, sim, dentro de um quadro legal específico, de permitir às mulheres que o desejassem a realização da interrupção voluntária da gravidez.
Em segundo lugar, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a regulamentação da lei correu bem, dentro dos prazos e de acordo com os parâmetros impostos na lei. Os regulamentos foram feitos, as verbas foram disponibilizadas, os serviços foram criados, como era, aliás, de esperar.
O Ministério da Saúde disponibilizou oportunamente os recursos necessários e adequados ao cumprimento da lei, ao contrário do que alguns temiam.
Seguindo as melhores práticas europeias, consagrou-se uma consulta médica obrigatória, disponibilizou-se a informação médica e social e previu-se um período de reflexão. Este é o espelho do compromisso do PS para com os portugueses.
É bastante significativo que possam realizar-se interrupções voluntárias da gravidez em todo o território nacional, malgrado as vozes da Madeira, que diziam não querer aplicar a lei. É que, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não existe qualquer zona do País em que, por esta ou aquela razão, exista na prática aquele que seria um intolerável e iníquo bloqueio de acesso de facto.
Em terceiro lugar, a objecção de consciência, um pouco à semelhança dos números, não merece um comentário destacado. A sua existência é lícita, desde que ocorra nos termos da lei e desde que o seu respeito não ponha em causa o exercício do direito consagrado na lei. Trata-se de respeitar o equilíbrio entre os direitos.
Em quarto lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, abortos clandestinos é tudo aquilo contra o qual esta lei se fez. O que esteve sempre em causa foi a saúde, a liberdade e até o risco de vida da mulher, para além das considerações penais. Todo o aborto clandestino que se evitou, todos os ganhos de saúde que se obtiveram e todos os riscos de vida que se ultrapassaram foram, e são, valiosos e insubstituíveis. Existem ainda questões culturais importantes que importa atalhar, mas só o tempo e a informação poderão ajudar.
Voltando aos números, verifica-se que os abortos legais realizados face à lei anterior representam 3%, assim como que os referidos 97%, segundo dados oficiais, teriam sido realizados de forma clandestina e de acordo com o bem conhecido cortejo de horrores. É este o enorme ganho da lei.
Em quinto lugar, a nota fundamental que queremos aqui deixar é de tranquilidade e de normalidade.
Decorreu, e decorre, de forma normal a implementação da lei, respeitando-se o exercício do direito individual da mulher, resultante da formação da vontade em condições de liberdade e de informação. É também com esta nova realidade que temos que congratular-nos.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Por último, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a conquista do respeito pelos direitos humanos alcançado com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez não dispensa um olhar sobre o conjunto das medidas de apoio à família que o Governo tem vindo a desenvolver.
Ainda ontem, o Sr. Primeiro-Ministro anunciou a construção de mais 75 creches nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, a criação do subsídio social de maternidade para as mães que não têm carreira