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35 | I Série - Número: 068 | 5 de Abril de 2008


Ora, após três anos de governação do mesmo Eng.º José Sócrates, agora Primeiro-Ministro, constata-se que o discurso da altura não tem sentido com a prática e que o discurso, hoje, é outro, em face das propostas da oposição, dos parceiros da concertação social, da opinião da sociedade civil.
É neste debate, sobre a qualidade da democracia e o exercício dos direitos fundamentais, que importa avaliar a mudança do discurso de tolerância e abertura, na altura da vitória, para o discurso da intolerância, em face das críticas e propostas.
A tal maioria absoluta que daria atenção ao Parlamento e às oposições é, hoje, a maioria absoluta que, ao longo destes três anos, tem vindo a recusar grande parte das propostas da oposição, mesmo quando, a seguir, apresenta propostas que vão exactamente no mesmo sentido.
É a mesma maioria absoluta que recusa a quase totalidade das propostas das bancadas da oposição relativamente ao Orçamento do Estado, mesmo que, enquanto oposição, tenha votado favoravelmente essas propostas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade!

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — A tal maioria absoluta que estaria sempre muito atenta à concertação social é a mesma maioria absoluta que suporta um Governo que enfraqueceu a concertação social, transformando-a numa mera formalidade, num mero cumprimento de uma obrigação.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Anda tão distraído!

O Sr. José Miguel Gonçalves (Os Verdes): — De facto, o espaço de concertação social tem-se transformado num espaço de comunicação de decisões, sem condições para que os representantes influenciem a formação dessas mesmas decisões, não percebendo o Governo que a concertação social se faz com uma efectiva negociação.
Mas é, de facto, com as manifestações dos cidadãos, discordando de políticas concretas e caminhos seguidos pela governação, que esta tal maioria absoluta vem demonstrando mais dificuldades em lidar.
Agora, o tal recente eleito Eng.º José Sócrates, que dizia que nunca iria desprezar as contribuições da sociedade civil, transforma a participação dos cidadãos num mero acto eleitoral, quando diz que era o que mais faltava que a acção governativa dependesse do nível das manifestações.
As afirmações dos inúmeros ministros são também demonstrativas disso mesmo.
A Sr. Ministra da Educação, em face da manifestação de mais de 100 000 professores, o que tem a dizer é: «Isto não é relevante. Relevantes são os problemas, as soluções, a nossa capacidade de intervir, de fazer bem para resolver os problemas que temos».
O Sr. Ministro da Agricultura, em face de uma manifestação de pescadores, sugere-lhes que peçam para sair da União Europeia.
E há tantas outras afirmações que, em face das manifestações, vêm dizer que este Governo não governa de acordo com o que se passa na rua.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A frase célebre «nunca me engano e raramente tenho dúvidas» caracterizou o posicionamento de arrogância de uma certa maioria absoluta à direita, que governou Portugal noutros tempos, mas caracteriza também já este Governo e esta maioria absoluta.
Não se reconhece que possa haver erros, a não ser os processuais, e mesmo que se demitam ministros reafirma-se que a política se mantém.
Hoje, o Governo do PS governa sem auscultar os primeiros interessados e os profissionais dos sectores alvos das reformas. Vê os vários profissionais como alheios à mudança e a sua opinião apenas no sentido corporativo, não considerando que a mudança pode partir de um projecto partilhado. É o caso dos professores, é o caso dos agricultores, dos polícias, dos juízes, dos militares, da Administração Pública em geral.
Todos os que criticam a política actual estão contra o Governo, todos preconizam uma opinião partidária ou corporativa, na defesa do seu interesse pessoal. Para esta maioria absoluta, apenas o Governo governa no sentido do interesse de todos.