I SÉRIE — NÚMERO 25
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Não vos vou maçar com estatísticas. Todos nós, infelizmente, sabemos que em Portugal já vamos este ano
com 30 mulheres assassinadas; o ano passado mais de 28 000, quase 29 000 denúncias; mas sabemos
também que as mulheres constituem 85% das vítimas e os homens são 88% dos agressores em matéria de
violência doméstica.
Já estamos no IV Plano Nacional para a Igualdade — Cidadania e Género. Já estamos no IV Plano
Nacional contra a Violência Doméstica. No II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos. Mas nós
sabemos quais são as prioridades: proteção às vítimas, autonomização quando saem das casas de abrigo,
proteção às vítimas do tráfico. Formação profissional para todos aqueles agentes que tratam e que,
normalmente, dialogam com as vítimas de violência doméstica.
São crimes que não podem continuar impunes. Como cidadãos, é nossa responsabilidade não ficar em
silêncio, reagir, proteger as vítimas, atuar. Mas, como legisladores, é nosso dever tornar a liberdade sem
violência uma realidade. Preencher as lacunas nos Códigos Civil e Penal. Fazer justiça às vítimas e aos
agressores. Não aceitar mediações alternativas. Fazer os tribunais parar a violência.
Em muitos países, há muitos comportamentos violentos que ainda não são criminalizados. E estou a
lembrar-me do stalking, estou a lembrar-me da violência psicológica, da violência sexual, do assédio sexual e
da violação conjugal, do aborto forçado, da esterilização forçada, dos crimes ditos em nome da chamada
«honra» — que em vez de ser «honra» devia ser a «vergonha» — e da mutilação genital feminina.
A fase do papel é importante. Como passar da situação de jure para a situação de facto. E, de facto, nós
não queremos ter apenas legislações ou convenções para serem mais papéis mortos, enquanto tantos
milhões de mulheres continuam a ser agredidas e muitas delas assassinadas, só porque são mulheres, às
mãos dos seus maridos e ex-maridos, parceiros e ex-parceiros, namorados e ex-namorados.
E, por isso, a Convenção de Istambul é um documento internacional vinculativo que é urgente ratificarmos,
que é urgente que façamos entrar em vigor. Porque, de facto, não pode existir qualquer justificação para a
violência contra as mulheres. Nem a cultura, nem a tradição, nem a história, nem a religião, nem o estatuto
social e económico — nada pode justificar este ataque bárbaro à dignidade do ser humano.
E o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, que mais uma vez se celebrou a 25
de novembro, chama a atenção para esta questão. E a Convenção de Istambul vinca bem a responsabilidade
dos Estados no combate a este flagelo.
Esta Convenção reconhece que a violência contra as mulheres é uma violação dos direitos humanos, é
uma discriminação, mas é também uma responsabilidade do Estado. Tem uma definição de género como uma
categoria socialmente construída que comete às mulheres e aos homens os seus papéis e comportamentos
particulares. Introduz ofensas ainda não criminalizadas.
Tem um mecanismo de monitorização extremamente independente, extremamente forte e baseia-se nas
quatro pp, ou seja, na Prevenção, Prevenção e Penalização (ou seja, a acusação) e Políticas integradas.
Esta Convenção precisa de, pelo menos, dez ratificações. No dia 15 deste mês e deste ano, o Governo
português já aprovou a resolução que virá para a Assembleia da República para efeitos de ratificação. E eu
peço, a todos, que se empenhem para que esta ratificação ocorra o mais rapidamente possível, para que
Portugal seja o primeiro País da União Europeia a ter esta ratificação concluída. Até ao momento, apenas a
Turquia e a Albânia concluíram os seus processos.
Nós temos, no âmbito do Conselho da Europa, uma rede de parlamentares que se chama «Mulheres Livres
de Violência». E, de facto, procuramos dar algumas ferramentas aos deputados para procurarem, dentro do
seu campo de ação política, ter instrumentos para irem aos combates, para irem aos debates — para junto dos
cidadãos poderem argumentar por que é que esta Convenção tem algo de muito importante e é uma mais-
valia.
Para celebrar o dia 25 de novembro, esta rede editou em português aquilo que era um manual para
deputados apenas existente em francês e em inglês. E foi distribuído a todos os Srs. Deputados e Sr.as
Deputadas, e espero que possam fazer dele bom uso.
Queria dizer-vos que, quando um parlamentar desce à realidade, não só espalha a mensagem mas, como
legisladores e decisores, podemos questionar o Governo, organizar debates ao nível nacional, dentro e fora do
Parlamento, e já na segunda-feira vamos ter uma importante conferência internacional, organizada
conjuntamente pela 1.ª Comissão, pela Subcomissão de Igualdade e por esta Rede Parlamentar do Conselho
da Europa, «Mulheres Livres de Violência».