I SÉRIE — NÚMERO 29
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O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo e a
maioria parlamentar que o suporta, com a proposta de lei hoje em discussão, prossegue a sua brutal ofensiva
contra o poder local democrático.
Depois da lei de extinção de freguesias, da lei que aprova o estatuto do pessoal dirigente da administração
central, regional e local, da lei que aprova o regime jurídico da atividade empresarial local, da Lei dos
Compromissos e Pagamentos em Atraso, do denominado Programa de Apoio à Economia Local, o Governo
pretende agora alterar o regime jurídico das autarquias locais e aprovar o estatuto das entidades
intermunicipais.
Com um cinismo inigualável, o Governo tece louvores às autarquias locais e exalta o seu papel no
desenvolvimento económico e social das populações, diz defender a proximidade entre eleitos e eleitores e o
aprofundamento da democracia, garante pretender o reforço da autonomia e a melhoria de prestação dos
serviços público, mas, na realidade, o que pretende mesmo é proceder ao desmantelamento do poder local
democrático nascido com o 25 de Abril.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — A Constituição da República Portuguesa determina que a organização
democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais e que estas são as freguesias, os
municípios e as regiões administrativas.
Em vez de avançar para a criação das regiões administrativas, dotadas de órgãos representativos eleitos
por sufrágio direto, com competências reguladas por lei, em harmonia com o princípio da descentralização
administrativa, dotadas de meios financeiros próprios, com base no princípio da justa repartição de recursos
públicos entre as administrações central e local, o Governo opta pela criação de entidades intermunicipais de
âmbito territorial autárquico, destituídas de competências e de meios próprios.
Com esta opção, o que o Governo pretende é travar a concretização das regiões administrativas, criando
umas pseudorregiões para não ter de criar as regiões previstas na Constituição.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exatamente!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — A proposta de lei em discussão contém assimetrias bem reveladoras da
conceção que o Governo tem do poder local.
Vejamos, por exemplo, a questão da delegação de competências do Estado e dos municípios nas
entidades intermunicipais: enquanto as competências a delegar pelo Estado não são concretizadas na
proposta de lei, limitando-se esta a enunciar os princípios gerais que regem a eventual transferência de
competências, no caso dos municípios as competências a delegar nas entidades intermunicipais são descritas
em pormenor e abrangem áreas essenciais como o planeamento e gestão da estratégia de desenvolvimento
económico e social,…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Paulo Sá (PCP): — … a gestão de infraestruturas urbanas ou ainda a organização e funcionamento
de serviços municipais.
Esta diferença de tratamento revela claramente que a intenção do Governo não é a de proceder à
descentralização administrativa mas, sim, a de esvaziar os municípios das suas mais importantes
competências, transferindo-as para as entidades intermunicipais.
A inclusão da organização e funcionamento de serviços municipais na lista de competências a delegar
serve o objetivo de concentração destes serviços, dando-lhes uma dimensão que permita a sua posterior
privatização.
Uma outra assimetria com a proposta do Governo tem a ver com a questão da denúncia dos contratos de
delegação de competências.
Pretende o Governo que, no caso de delegação de competências do Estado para os municípios, os órgãos
deliberativos municipais não possam, em circunstância alguma, promover a denúncia desses contratos