I SÉRIE — NÚMERO 73
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Protestos do PS, tendo alguns Deputados batido com os pés no chão.
A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos prosseguir o debate com mais serenidade.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e das Finanças.
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças (Vítor Gaspar): — Sr.ª Presidente da Assembleia da República,
Sr.as
e Srs. Deputados: Portugal vive um momento grave, um momento de crise, uma crise financeira,
económica, social e política.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Já tínhamos dado conta!
O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — As raízes da crise são antigas e profundas, as suas causas
derivam da incapacidade de adaptação da sociedade portuguesa às realidades da vida económica e financeira
dentro da área do euro.
O período desde a adesão à moeda única foi, para Portugal, um período de oportunidades perdidas e de
transformações adiadas. A estabilidade financeira, o crescimento sustentado, a competitividade e a criação de
emprego dentro da área do euro exigem formas de atuação diferentes das que se verificaram em Portugal no
final do século XX.
Os benefícios associados à participação na União Monetária exigem a adoção de práticas institucionais
adequadas a um novo modelo económico e financeiro sustentável.
Aquando da adesão ao euro, os elementos da transformação institucional estavam já bem identificados.
Em primeiro lugar, era decisivo alterar regras e procedimentos para garantir a disciplina orçamental.
Em segundo lugar, era fundamental assegurar a estabilidade financeira no quadro da integração europeia.
Em terceiro lugar, era necessário garantir flexibilidade no mercado de trabalho e nos mercados de
produtos.
Finalmente, era decisivo tornar a economia portuguesa mais concorrencial, mais competitiva, mais aberta
ao exterior e menos dependente do Estado e de grupos de interesses particulares.
O diagnóstico foi feito atempadamente. Cabia ao sistema político liderar o processo e assegurar a
transformação. Isso não aconteceu.
Os custos foram enormes: estagnação económica, aumento de desemprego, aumento persistente do
endividamento.
Em 2005, Olivier Blanchard dedicou-se à análise do ajustamento de Portugal à participação na área do
euro. O agora economista-chefe do Fundo Monetário Internacional concluiu: «A economia portuguesa está em
situação difícil. O crescimento da produtividade é anémico. O crescimento é muito baixo. O défice orçamental
é elevado. O défice da balança de transações correntes é muito elevado».
Durante mais de uma década, assistimos a um aumento generalizado do endividamento. A procura interna
excedeu sistematicamente a oferta interna, como ilustram os persistentes défices externos. De meados da
década de 90 até 2009, Portugal endividou-se num valor igual ao da totalidade do seu Produto Interno Bruto
anual.
No entanto, o crescimento da procura interna e o aumento do endividamento não conduziram ao
crescimento económico. A primeira década do euro foi um período de estagnação e de deterioração da
competitividade. Em 15 anos, entre 1999 e 2013, Portugal terá crescido apenas 8,3% em termos acumulados
sobre estes anos. Neste período, a área do euro terá crescido aproximadamente 20%. Neste período, Portugal
cresceu menos de metade da média da área do euro.
Torna-se, então, claro que os desequilíbrios estruturais da economia portuguesa eram pesados mesmo
antes da crise financeira global.
Portugal estava já numa posição de elevada vulnerabilidade aquando da crise financeira global. No
entanto, para fazer face a essa crise, o Governo ignorou a necessidade de ajustamento. Em 2008, decidiu
esquecer a consolidação orçamental.