I SÉRIE — NÚMERO 74
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A Sr.ª Deputada, logo no início da sua intervenção, fez-me lembrar uma personagem de uma peça de
teatro — a qual representa, infelizmente, uma figura real, Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler —, que
dizia que, cada vez que ouvia falar de cultura, puxava logo do seu revólver. Este Governo não puxa do
revólver, mas puxa de um Orçamento do Estado em branco, um Orçamento do Estado a zero para a cultura,
sempre que ouve as reivindicações dos artistas ou sempre que ouve falar de cultura.
Sr.ª Deputada, sobre a questão concreta, da nossa parte, é muito claro: basta olhar para o Orçamento do
Estado, para as despesas do Estado e verificar que, comparados com a pequena taxa das receitas da Santa
Casa que vão para a cultura, os 7500 milhões de euros que o Estado paga em juros por força das opções
políticas do PSD e do CDS (com o contributo, aliás, do anterior Governo) seriam qualquer coisa como 750
anos de apoio à cultura, à produção artística, em Portugal. Sacrificamos 750 anos de apoio à criação artística,
a cada ano que passa. E isto demonstra bem que este Governo prefere entregar os impostos e o esforço do
trabalho dos portugueses para pagar a agiotagem, a usura e a colonização financeira do que para garantir os
direitos constitucionais, como é o direito à criação e fruição cultural.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Este Governo, de facto, Sr.ª Deputada, abdicou de ter um Ministério da
Cultura, como referiu, e abdicou talvez também de ter um Secretário de Estado da Cultura, porque, ao invés
de promover a cultura como direito constitucional, optou por convertê-la numa marca de propaganda e passeá-
la pelo mundo, utilizando e promovendo marcas, ao invés de assegurar aqui, em Portugal, o direito
constitucional do acesso à criação e fruição cultural.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Medeiros.
A Sr.ª Inês de Medeiros (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Miguel Tiago, também eu lhe agradeço por
ter trazido este tema a debate no Plenário.
Começo por lembrar um grande senhor, Léopold Senghor, que dizia que a civilização começa e acaba com
a cultura, nos seguintes termos: quando há cultura, há civilização, há humanidade; quando deixa de haver
cultura, deixa de haver humanidade e passa a haver boçalidade.
Ora, hoje em dia, estamos perante o grau zero da política e perante a apologia da boçalidade.
Este Governo não entende, nem quer entender, a importância da cultura para uma sociedade democrática.
Não entende que ela não é um privilégio, não é um suplemento de alma, é muito mais do que isso. Ela não
constitui apenas uma alavanca económica, ela não constitui apenas uma alavanca social e educativa (com a
fealdade que a palavra «alavanca» tem, mas não encontramos outra para definir certas políticas). Ela é,
sobretudo, indispensável à nossa inteligência, ela é, sobretudo, aquilo que faz de nós um povo, um coletivo,
uma nação, uma pátria, enfim, seja o que for que quiserem chamar a este nosso território.
E é isso que está em causa. O Sr. Secretário de Estado da Cultura, cheio de boas intenções, brinda-nos, a
cada entrevista, com teorias muito elaboradas sobre a importância do espaço, da ligação à comunidade. Mas,
depois, na prática, o que temos é uma política cega, surda e muda do número.
O que é que este Governo fez perante os atrasos nos apoios dados ao teatro? Para tentar não fazer má
figura, decidiu aumentar supostamente as instituições a apoiar. Mas, como não quer dar mais dinheiro, divide
os apoios por metade. E, depois, vêm os discursos liberais.
Ora, adotando agora essa opção liberal, pergunto: os senhores que defendem as empresas, expliquem-me
como é que uma empresa, que até é um teatro (e não vou estar agora aqui a nomeá-lo, porque são muitos os
exemplos), com história, com público, com projeto, inserido no seu território, vê, de um dia para o outro, os
montantes que tem (e que já teve de contratualizar para poder concorrer) diminuídos em 50%?
Dando um exemplo muito simples, pergunto ainda: que empresa é que, tendo 14 trabalhadores, funciona
com 50 000 €/ano? Quanto é que as pessoas acham que esta empresa (para usar os termos que os senhores
usam) vai ter de pagar a estas pessoas? Ou estas pessoas não têm direito à vida, não têm direito a família,
não têm direito a sonhos?