I SÉRIE — NÚMERO 109
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A falta de vontade do Governo de, na Europa, lutar por uma mudança foi um erro colossal, cometido por
responsabilidade do Primeiro-Ministro, do Ministro dos Negócios Estrangeiros e do ex-Ministro das Finanças.
Mas, sobre esse erro, não há uma única referência, mesmo na hora da partida.
Dir-se-á: é a visão natural de quem vê na Europa uma estrutura burocrática, cinzenta e desprovida de
valores que nos tem governado, mas o pior é que essa é a visão do Governo, essa é a visão que o Primeiro-
Ministro quer prolongar sem qualquer sobressalto.
Segundo as notícias, ontem, quando a Chanceler Merkel mostrou preocupação sobre a situação política
em Portugal, não consta que o Primeiro-Ministro, em contrapartida, tenha manifestado preocupação sobre a
falta de vontade de os nossos parceiros europeus criarem todas as condições necessárias para que possamos
cumprir integralmente os nossos compromissos, como queremos.
Srs. Deputados, à direita deste Hemiciclo, nestes estertores lamentáveis da vossa maioria, admitam, pelo
menos, que temos razão quando defendemos uma nova atitude da Europa sobre as questões da dívida
soberana. Façam-no em nome do interesse nacional, mas também em nome de princípios e em nome do
interesse e do projeto europeu.
O interesse nacional é inequívoco. Já aludi a alguns números que o demonstram, mas poderia referir
estudos, incluindo o Livro Verde da Comissão Europeia, de novembro de 2011, que mostra que a simples
decisão sobre a criação de um sistema de mutualização parcial da dívida soberana dos Estados do euro teria
um impacto positivo instantâneo ao nível da estabilização dos mercados, mesmo que o seu início não fosse
imediato.
A proposta de mutualização da dívida, de comunitarização da emissão de obrigações soberanas não é uma
mera atitude oportunista de Estados em crise, a mutualização e a comunitarização são entendidas, há
décadas, como um pressuposto ou uma consequência necessária de uma união económica e monetária. Na
década de 1990, antes da criação do euro, vários estudos demonstraram que este só poderia ser criado, com
a repartição justa de encargos, benefícios e riscos, se houvesse maior integração fiscal e orçamental e se
houvesse comunitarização da dívida e do recurso ao mercado para o financiamento soberano.
Os dois movimentos — criação do euro e comunitarização dos mecanismos da dívida soberana — só não
se verificaram em simultâneo, como deveria suceder, por ter havido Estados mais interessados nos benefícios
daquela criação do que da partilha dos riscos que ela envolvia.
Mas hoje há também uma questão de vital interesse europeu.
Paul de Grauwe escrevia, há dias, que há que corrigir este erro original da arquitetura da união económica
e monetária. Se não for rapidamente adotado um calendário faseado como aquele que foi proposto pelo
Parlamento Europeu, de criação de mecanismos que permitam, de uma vez por todas, solucionar as crises
das dívidas soberanas e do euro, estamos condenados, irremediavelmente condenados, ao desenlace que
Paul de Grauwe vaticina: maior agitação dos mercados levará a que o colapso do euro seja apenas uma
questão de tempo.
É para esse movimento que o Partido Socialista tem, em vão, convocado o Governo. Espero que a maioria,
depois de se ver livre do Governo, possa vir connosco.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — A próxima intervenção é do Bloco de Esquerda, pelo que tem a palavra a Sr.ª
Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: O debate
que tivemos ao longo desta tarde mostra, se alguma dúvida houvesse, que o pântano no debate político
democrático em Portugal está instalado.
Numa interpelação sobre um dos assuntos centrais na política portuguesa e no futuro do País, o Governo
entendeu apresentar, para discutir o problema da dívida pública e da sua possível reestruturação, o Ministro
da Saúde. Pensámos que era por razões evidentes e que o País conhece: dada a fragilidade política da
Ministra que foi escolhida e indicada pelo Primeiro-Ministro, Maria Luís Albuquerque,…
O Sr. João Serpa Oliva (CDS-PP): — Outra vez a Maria Luís?! Então, e a dívida?!