I SÉRIE — NÚMERO 113
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O que mudou no estado da Nação em menos de 18 meses para que Cavaco Silva queira agora impor a
solução que antes rejeitava? Estão, porventura, os partidos mais coligáveis? Serão os seus dirigentes mais
confiáveis e confiarão mais uns nos outros? Ouçamos o que afirmou hoje o Primeiro-Ministro: «Basta que não
fiquemos agarrados a tudo o que dissemos». Por outras palavras, nada do que este Governo diz, vale. Tanto
agora como desde o início, a palavra do Governo vale zero.
Aplausos do BE.
Explicar, portanto, a atual crise como sendo resultado de uma birra é interessante, e os seus protagonistas
até deram boas razões para acreditar nessa tese, mas não nos diz nada sobre o momento que estamos a
viver.
O problema é a política, o falhanço da política. O que sobressaltou Cavaco Silva foi a evidência do
esgotamento do programa de ajustamento. Todas as birras são a cortina de fundo que escondem o essencial:
a austeridade falhou, como o reconheceu o seu arauto máximo, Vítor Gaspar.
O défice atingiu, nesse primeiro trimestre, o valor mais alto desde o início da crise financeira. A dívida está
nos 127%, quando o Memorando previa 114% até ao final de 2013, e o ano ainda só vai a meio. Depois de
todos os aumentos de impostos, de cortes salariais, de subsídios retirados, de 400 000 postos de trabalho
destruídos, o colossal desvio de 21 000 milhões de euros na dívida é o retrato do falhanço da austeridade e do
Governo PSD/CDS.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Exatamente!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Não, não é a possibilidade de eleições que abre caminho a um segundo
resgate, como nos vêm dizendo os defensores do Governo, mas é a iminência do segundo resgate que explica
a crise na coligação e no Governo. Dizia esta semana Miguel Frasquilho, sem se rir, que o Bloco de Esquerda
pretende um segundo resgate, quando já está nas capas de toda a imprensa mundial que o segundo resgate
já está a ser preparado em Bruxelas e no Palácio de São Bento.
Não nos esquecemos, e muito menos o Governo, de que faltam apenas três dias para Paulo Portas
apresentar o famoso guião para o corte de 4700 milhões de euros, a tal reforma do Estado, nome pomposo
para descrever a diminuição das pensões, o despedimento de 30 000 funcionários públicos e o encerramento
de serviços públicos.
Se tudo está a correr tão bem, como garante o Primeiro-Ministro a prazo, como explicar a demissão
sucessiva de Vítor Gaspar e Paulo Portas? Acaso estavam cansados de tanto sucesso? Sejamos sérios.
O que Cavaco Silva procura não é uma solução de salvação nacional, mas a salvação do programa de
ajustamento.
Se a austeridade falhou e se continuar a espiral recessiva em que se está a afundar o País, a solução do
Presidente da República é resgatar o Programa de Ajustamento num acordo que, com a eventual presença do
Partido Socialista, garanta que, aconteça o que acontecer, a austeridade continuará o seu caminho.
Ao desmoronamento da direita e do programa político da direita o Presidente da República responde com o
desmoronamento da democracia.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Para que o Programa de Ajustamento não seja avaliado, faz a democracia
refém. Depois de termos um Governo tutelado por Belém, Cavaco Silva quer condicionar as próximas eleições
e o ciclo eleitoral: eleições sim, mas só se, através de um acordo prévio entre os três partidos que assinaram o
Memorando, ficar criado o ambiente e as convicções próprias de que elas não decidem nada e se Cavaco
Silva tiver a certeza que delas resultará sempre a continuação da austeridade que está a destruir a coligação,
o Governo e o País.
Cavaco Silva só aceita a escolha do povo quando tiver garantias de que não existirá escolha, quando todos
oferecerem o mesmo programa — o da troica, o da austeridade permanente — e a escolha do povo não seja
mais do que a podre alternância de protagonistas.