I SÉRIE — NÚMERO 47
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Por isso, não vale a pena estar aqui a colocar perguntas sobre como é que o Governo vai resolver os
problemas de recursos destes canais regionais e os problemas já identificados, quer pelos órgãos de governo
próprio, quer pelos profissionais da operacionalização de todas esses recursos nas regiões autónomas,
porque, infelizmente, apesar de já ter feito estas perguntas, em sede de comissão especializada e até mesmo,
por escrito, ao Governo, não obtive resposta, pelo que também não tenho qualquer expectativa em relação à
intervenção de hoje, porque o Sr. Ministro, certamente, não tem nenhuma palavra para dar resposta adequada
a todos os problemas já identificados.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Cruz,
do PCP.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, as iniciativas
legislativas hoje em discussão constituem mais um passo em direção à concretização de um dos objetivos
plasmados no Programa do Governo, destruir o serviço público de rádio e televisão, e demonstram, de forma
inequívoca, a marca ideológica do Governo: desvalorização dos serviços públicos e desinvestimento nas
empresas do setor público e, em simultâneo, o privilégio à iniciativa privada e aos grandes grupos económicos.
Não tendo conseguido alcançar, por agora, o intento inicial — privatizar a RTP —, o Governo engendrou,
sob a falsa defesa da transparência, da independência e do pluralismo, vários mecanismos para se
desresponsabilizar do serviço público de rádio e televisão. Desresponsabilização que se materializou com a
apresentação da proposta do novo contrato de concessão de serviço público de rádio e televisão, uma
proposta que parte do seguinte pressuposto: o operador de serviço público de rádio e televisão não pode, não
deve ter produção própria, apenas se deve limitar a agregar e a encomendar as produções a entidades
exteriores, para, segundo o Governo, estimular o mercado do audiovisual.
Esta opção tem também, na sua essência, o ataque aos trabalhadores: com o fim da produção própria, a
RTP «liberta-se» de um número muito expressivo de trabalhadores, de homens e mulheres que tanto
contribuíram com a sua experiência, o seu labor, o seu conhecimento e criatividade para o desenvolvimento e
cumprimento das obrigações de serviço público que estão confiadas à RTP.
Com o novo contrato de concessão, a RTP ficará refém dos interesses, das disponibilidades, das
disposições e dos padrões impostos pelos mercados e, claro está, a independência, tão propalada pelo
Governo, ficará seriamente comprometida, desresponsabilização que tem o seu ponto alto com o fim da
indemnização compensatória, alegando o Governo, novamente, os princípios da independência e da
transparência.
A eliminação da indemnização compensatória vai tornar incomportável a prestação de serviço público com
a qualidade e a extensão a que os cidadãos têm direito. O que esta medida vai provocar, além da
desresponsabilização, é a aceleração da destruição do serviço público de rádio e televisão.
A desresponsabilização do Estado em termos do serviço público de rádio e televisão assume particular
relevo com as iniciativas legislativas que hoje discutimos e, principalmente, com a proposta de lei que institui
os novos estatutos da RTP. Essa proposta de lei, com a criação do conselho geral independente, que visa,
segundo o Governo, o «reforço da credibilidade e da legitimidade da empresa junto dos portugueses e reforço
da capacidade de gestão efetiva e eficiente da sociedade», traduz, mais uma vez, a marca ideológica deste
Governo: ao Estado não compete gerir a coisa pública.
Diz-nos também o Governo que a independência do conselho geral independente está assegurada pelo
facto de ser integrado por seis elementos que, entre outras características, são detentores «de reconhecido
mérito, com experiência, credibilidade e idoneidade». Só que o Governo esquece-se de dizer o modo como
estes elementos são nomeados, processo de nomeação este que não dá garantias de independência destes
membros, nem perante o poder político, nem perante o poder económico.
Por fim, estes novos estatutos não dão garantias que 100% do capital da RTP seja detido pelo Estado.
Com esta alteração, o Governo está a abrir a porta à entrada de capitais privados e, desta feita, a cavalgar em
direção à privatização e à alienação da RTP.