21 DE FEVEREIRO DE 2014
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A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
Deputadas e Srs. Deputados: O porta-aviões da
recuperação a que se referia o Ministro Paulo Portas durou menos de um dia até se afundar como um
barquinho de papel feito de folhas de jornal. Que tenha sido o FMI a afundar a propaganda que o Governo
pretendia levar até às eleições é a ironia poética de toda esta história. O milagre económico anunciado pelo
Governo, tal como o Carnaval, durou três dias e quem enterrou o entrudo foi o próprio FMI.
As exportações, como já foi dito e redito, não só nunca cresceram tão pouco, como o seu aumento se
deve, em grande parte, aos combustíveis. Pior: o aumento das exportações não representou nenhum ganho
na capacidade produtiva do País.
O que aconteceu foi que, com a diminuição do consumo em Portugal, as empresas direcionaram o que
vendiam para o estrangeiro. Ainda bem que o fizeram, mas não vale a pena embandeirar em arco com a
alteração do paradigma económico, porque essa, pura e simplesmente, não existe. Não há aumento de
produção sem investimento e o investimento em Portugal é coisa que já ninguém vê há muito tempo.
O que é que mudou, então, no ciclo económico? Alguns pequenos indicadores, por certo! Mas foi,
essencialmente, o discurso político de um Governo sedento de se celebrar a si próprio.
Sr.as
e Srs. Deputados, estamos bem lembrados relativamente ao que aconteceu no verão passado: Vítor
Gaspar, com um défice real de 5,8%, bateu a porta e disse que não tinha razões para continuar. Agora, depois
do maior aumento de impostos de sempre, o Governo consegue a proeza, pouco recomendável, de descer o
défice em duas míseras décimas e com 5,6% fala em milagre e faz a festa aos santos padroeiros da
propaganda, Paulo Portas e Pires de Lima.
O momento da viragem resulta, antes de mais, da necessidade de o Governo e de a troica apresentarem
um caso de sucesso. Não há nada limpo no empobrecimento e na devastação social, Srs. Deputados.
A avaliação que conta é aquela que nos diz que País teremos em 2014. Foi exatamente esse debate que
aqui tivemos ontem, quando falámos de fundos estruturais. O diagnóstico foi muito claro e até consensual: o
problema do País está nas baixas qualificações e nos baixos salários. O problema do País é ser pobre, o
problema do País é ser desigual.
Se este era o retrato, hoje temos um País ainda com menos emprego, ainda com salários mais baixos, com
menos qualificação, com maior precariedade, com impostos mais altos e com menor solidariedade entre
gerações. O que o Governo procura limpar, com o discurso da saída limpa, não é mais do que a sua própria
imagem a caminho das próximas eleições.
O que aconteceu nos últimos três anos não teve nada a ver com a correção das debilidades estruturais da
economia ou da sociedade portuguesa, nem uma dessas debilidades foi corrigida.
E olhemos para trás, Srs. Deputados. No rescaldo de uma crise financeira, que a direita apagou da história
para poder culpar o despesismo de um povo que vivia com salários médios de 700 €, a troica pegou num País
que já era estruturalmente pobre e disse: «O problema de Portugal é não ser pobre o suficiente». Mais, com a
cumplicidade dos partidos da direita, disse: «Tudo aquilo que atenuou a pobreza extrema e construiu a
democracia nas últimas décadas (educação pública, saúde, segurança social, infraestruturas, proteção no
emprego, salários mais dignos), tudo isso foi o País viver acima das suas possibilidades».
«É preciso voltar ao que é suposto serem as nossas possibilidades», disse-nos Passos Coelho na semana
passada, ao defender que agora, sim, temos uma economia mais de acordo com o País.
É o regresso do tristemente célebre discurso dos pobres, mas honrados. Srs. Deputados, não há nada de
honrado no empobrecimento e na pobreza. Não houve nenhum ajustamento e muito menos ajuda. São
palavras vazias para esconder o que tomou conta do País, ou seja, um ajuste de contas da direita com a
história, aproveitando o pretexto do combate à crise para diminuir salários, facilitar os despedimentos,
consolidar os grandes interesses económicos. Hoje mesmo, ficámos a saber que, no meio do empobrecimento
generalizado, os 10% mais ricos nunca foram tão ricos.
Sr.as
e Srs. Deputados, o relatório do FMI torna ainda claro que o Governo diz uma coisa a Bruxelas e a
Berlim e que diz outra coisa aos portugueses. Aos portugueses diz que os cortes são temporários e que
vamos recuperar a soberania quando a troica sair e que querem mexer em todos os impostos que foram
subindo ao longo destes anos. «Um novo ciclo», diz o Governo cá, para percebermos que lá assinam
compromissos para cortar mais 2000 milhões de euros, só em 2015. É um novo ciclo, certamente, mas é um
novo ciclo de austeridade.