26 DE NOVEMBRO DE 2014
33
sempre o mesmo: o reforço, promovido pelo Ministro, do estigma da fraude cometida pelos mais pobres dos
mais pobres.
Na visão da direita, a fraude ou pequena corrupção só existe nos programas sociais que tentam combater a
pobreza, daí a sua fingida surpresa com os vistos gold. Ora, poderia lá a fraude acontecer entre gente com
dinheiro, não é, Sr.as
e Srs. Deputados?!
Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as
e Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: O Orçamento que aqui será
votado — o último apresentado por este Governo — encerra um ciclo epermite uma leitura mais abrangente
sobre o que foram as políticas da troica e do depois da troica. O resultado é esclarecedor, e o voto do Bloco de
Esquerda só poderia ser um: não, obviamente. Não!
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente: — Pelo PCP, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Srs.
Deputados: Uma maioria parlamentar em estado de negação e que se limita a fazer no Parlamento a pré-
campanha eleitoral que não consegue fazer fora dele prepara-se para aprovar um Orçamento do Estado
injusto, proposto por um Governo em estado adiantado de desagregação.
O Governo termina o debate deste Orçamento com uma composição diferente da que o iniciou. Ninguém
estranha, evidentemente, que um Ministro tenha pedido a demissão na sequência de um escândalo que
envolve titulares de altos cargos públicos e personalidades que lhe são próximas; o que toda a gente estranha
é que os outros ministros, a começar pelo Primeiro-Ministro, se mantenham nos seus cargos.
O Sr. Primeiro-Ministro que, convencido da infalibilidade das suas escolhas, manteve sempre intocada a
confiança nos seus ministros já viu cair todo o núcleo duro do seu Governo. Caiu o todo-poderoso Miguel
Relvas, caiu o intocável Vítor Gaspar, caiu o heterodoxo Álvaro Santos Pereira, caiu o insubstituível Miguel
Macedo e só a revogação da demissão irrevogável do parceiro de coligação e a complacência ativa de Belém
permitem que este Governo se mantenha ligado à máquina, apesar da sucessão de escândalos que marcam a
sua governação.
A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — É o escândalo na justiça, com o desastroso início de vigência do mapa
judiciário, com processos ao deus-dará, com dois meses de paralisia dos tribunais judiciais, cujas
consequências ainda nem são conhecidas em toda a sua extensão.
É o escândalo na educação, com os alunos sem aulas dois meses passados sobre o início do ano letivo,
com professores gravemente lesados nos seus direitos e afrontados na sua dignidade.
É o escândalo na segurança social, com a decisão do Governo de mandar para o desemprego 700
trabalhadores qualificados do Instituto da Segurança Social.
É o escândalo da ocultação do desemprego, com mais de 160 000 trabalhadores empurrados para
programas de formação e com milhares de trabalhadores que, ao abrigo dos chamados «contratos emprego-
inserção», ocupam postos de trabalho permanentes com salários de miséria e sem quaisquer direitos.
É o escândalo na defesa nacional, com a extinção das Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento e
das Oficinas Gerais de Material de Engenharia.
É o escândalo nas finanças em torno do BES, pela incapacidade do Governo para avaliar os efeitos do
colapso do Grupo Espírito Santo no sistema financeiro, para salvaguardar o interesse nacional posto em causa
e pela desastrosa gestão do processo de resolução do BES e de criação do banco de transição.
É o escândalo na economia, com essa tragédia para o património e para os interesses nacionais, que é a
liquidação da PT, e com a catastrófica decisão de privatizar a TAP.
É o escândalo dos Serviços de Informações, a fazerem serviços de deteção eletrónica de escutas
telefónicas a pedido do Presidente do Instituto dos Registos e Notariado, ele próprio arguido no processo
criminal movido em torno dos chamados «vistos gold».