4 DE JUNHO DE 2015
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O Sr. João Ramos (PCP): — É muito claro que para o Governo, o atual e os anteriores, a função da
agricultura não é, em primeira mão, a satisfação das necessidades alimentares do País; a agricultura é apenas
mais um setor económico.
Estas opções e estas políticas não são as que o País precisa. O País, apesar de um grau de
autossuficiência alimentar que rondará os 70% e apesar de ser autossuficiente em meia dezena de produtos, é
altamente deficitário em alguns produtos estratégicos.
O País importa cerca de 50% da carne de bovino, 35% da carne de suíno — da qual já produziu 90% —,
55% da batata, 30% das frutas, 93% do feijão seco, 90% do grão-de-bico, 88% dos cereais e entre estes 96%
do trigo. O exemplo do trigo é flagrante nesta relação de dependência do exterior: o País só produz 4% do
trigo que consome e o principal fornecedor de trigo era, em 2013, a Ucrânia. Isto dá-nos a dimensão da
fragilidade deste modelo.
Outra opção que é necessário implementar tem a ver com a sustentabilidade dos recursos. A terra para
produção agrícola é limitada e a superfície agrícola utilizável tem vindo a reduzir, pelo que uma adequada
utilização do solo não só é necessária como fundamental para assegurar o futuro do País.
Modelos de produção assentes em exploração intensiva e superintensiva que procuram lucro rápido,
elevado e com alta capacidade de esgotamento do solo, ou o assunto da introdução da produção florestal em
terrenos de cultivo e de regadio que se tem vindo a falar e a potenciar, nomeadamente com a lei da
eucaliptização, são bons contributos para o esgotamento do solo e para a redução da área agricultável.
Neste contexto, a agricultura familiar, a pequena e a média agricultura são as que utilizam de forma mais
equilibrada os recursos, quer através de uma vasta diversificação cultural e de rendimentos, quer porque
produz localmente o que é consumido localmente e quase sempre produtos de melhor qualidade, para além
do seu potencial fixador de populações.
Mas à produção e ao aproveitamento alimentar está ligada outra matéria: a distribuição.
A distribuição dá um contributo grande para promover a agricultura de cariz industrial, uma vez que, ao
aniquilar a pequena e a média produção através do esmagamento de preços, deixa apenas espaço para a
produção industrial. E a grande distribuição representa 70% desta atividade no nosso País.
O Governo foi obrigado a assumir a existência deste problema da predação da produção por parte da
distribuição pela evidência que ela apresentava, mas não o resolveu. O Governo continua com a PARCA
(Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar) na boca e a grande distribuição
com as mãos livres para pagar e impor o que quiser e quando quiser.
Para além disso, a grande distribuição é a face visível da normalização dos produtos, em que o calibre e o
brilho valem mais do que a qualidade ou a origem do produto. Este processo de normalização tem sido
responsável por deixar fora dos circuitos comerciais e dos circuitos de consumo quantidades significativas de
alimentos.
Assim, medidas de venda direta de produção permitem ao consumidor o acesso a produtos mais frescos,
tendencialmente de melhor qualidade e dos quais se sabe a origem. Estas medidas não serão a solução para
todos os problemas de escoamento da pequena e média agricultura, mas dariam o seu contributo.
O Grupo Parlamentar do PCP acompanha as preocupações e as propostas do Partido Ecologista «Os
Verdes».
Um país organizado, moderno e soberano tem de garantir a alimentação dos seus cidadãos, procurando
atingir a autossuficiência tanto quanto for possível. Medidas de aproveitamento de todos os recursos que
implicam a rejeição de imposições que limitem a possibilidade de consumo fazendo prevalecer o aspeto ao
conteúdo têm de ser combatidas.
A soberania, nas suas diversas vertentes, não dispensa a soberania alimentar e ela é incompatível com
uma visão exclusivamente economicista da agricultura que deixe de fora a sua importância para a satisfação
das necessidades alimentares do País; incompatível com uma definição da política agrícola e logo de
produção de alimentos, definida a partir do exterior e por princípios de mercado que deixam de fora as
preocupações atrás expostas; e incompatível com a não existência de uma política agrícola nacional, com uma
abordagem estratégica e que deverá ser orientadora das definições e decisões em matéria de produção
agroalimentar.