I SÉRIE — NÚMERO 95
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nascimento. Fez todo o processo de vinculação ao seu raptor e, segundo a alteração que o Governo agora
apresenta na alínea a) do artigo 4.º, esta criança reúne as condições para ficar com o raptor, com quem
poderá ter entretanto desenvolvido de forma contínua relações de afeto de qualidade significativa, não
voltando assim para os seus pais.
Impõe-se um conjunto de interrogações. Sr. Ministro, se fossem os nossos filhos? Se fossem os nossos
netos? Estará o Governo ou as Sr.as
e os Srs. Deputados conscientes do grave erro que estão a cometer? Sr.
Ministro, não devemos querer aplicar aos outros aquilo que nunca admitiríamos ver aplicado aos nossos.
Com o aditamento do artigo 13.º-A, com a epígrafe «Acesso a dados pessoais sensíveis», quem vai poder,
afinal, aceder aos dados das crianças com processos ativos? O gestor do processo? Os meios humanos de
entidades representadas na comissão alargada que, a título excecional, podem apoiar a atividade da comissão
restrita, como se propõe no artigo 20.º-A? E que disse a Comissão Nacional de Proteção de Dados sobre esta
alteração? Ou, melhor, Sr. Ministro, diga-nos: será que, com a pressa da apresentação em fim de ciclo destas
propostas legislativas, se esqueceu de as remeter para apreciação e parecer da Comissão Nacional de
Proteção de Dados? Se as remeteu, mostre-nos o parecer, se faz favor. É isso que lhe pedimos.
E com que fundamento vem o Governo propor uma nova medida de promoção dos direitos e de proteção,
criando a figura de acolhimento familiar com vista à adoção? Não estarão o Governo, as Sr.as
e os Srs.
Deputados da maioria a misturar conceitos e perfis completamente distintos, com risco sério para as soluções
de adoção das crianças? É desta forma que pretendem agilizar o processo?
O Sr. Ministre trouxe aqui dados da adoção que são contas demasiados simples, que apelam, aliás, ao
sentimento de quem o ouve. Diria que são um bocadinho populistas, porque, Sr. Ministro, os senhores podem
mudar os nomes, podem encurtar prazos, redefinir procedimentos, alterar conceitos, mas o efetivo problema
da adoção reside na vontade de os candidatos adotarem crianças até aos três anos, brancas, sem irmãos,
sem doenças e sem deficiência e de essa vontade não ser compatível com as características das crianças que
estão em situação de adoptabilidade, maioritariamente acima dos seis anos, com uma grande incidência de
adolescentes, integradas em fratrias, não caucasianas, com doenças crónicas ou com deficiências.
Portanto, Sr. Ministro, há outra coisa que aqui não referiu e que nem sequer deu a entender: é que o
princípio da adoção é só um, o de encontrar um candidato para a criança e não uma criança para um qualquer
candidato.
E se o Governo, Sr. Ministro, não voltar a colocar os recursos humanos que retirou das comissões, se
continuar a enfraquecer as equipas que acompanham a aplicação das medidas e o apoio às famílias, como
tem feito durante estes quatro anos, se continuar a olhar de forma redutora para o abono pré-natal apenas
como prestação pecuniária e não como instrumento de prevenção que acompanha a grávida desde as
primeiras semanas de gestação e que sinaliza eventuais situações de perigo aquando do nascimento da
criança, permitindo intervir atempadamente, se o Governo não intervier de forma ágil, qualificada e assertiva,
se não continuar a desenvolver ações de sensibilização e formação dos candidatos à adoção, então, de pouco
ou nada valerá fazer alterações legislativas, que, sabemos, nalguns casos, serem necessárias.
Sr. Ministro, é neste contexto que o Partido Socialista vem a debate apresentando um novo projeto de
resolução.
Sr. Ministro, gostaríamos ainda de o ouvir sobre outra coisa e dizer-lhe algo que tem sido um ponto de
honra entre todas as forças políticas. Ao longo dos anos houve sempre uma grande preocupação para que as
comissões de proteção de crianças e jovens nunca pudessem ser partidarizadas e os senhores, com a criação
dos coordenadores regionais, estão a abrir portas para a partidarização das comissões de proteção das
crianças e jovens. E isso, Sr. Ministro, não é admissível.
Mas o PS vem a debate com um novo projeto de resolução que contém algumas recomendações ao
Governo: que seja sensato e prudente nas mudanças a introduzir no sistema de proteção; que reconheça que
as mudanças a introduzir exigem um amplo debate e consenso social e político; que faça acompanhar as
alterações que propõe com a indicação dos impactos financeiros e com o respetivo enquadramento
orçamental por estes gerados; que fique claro o universo de crianças a abranger, os recursos a alocar e o
tempo previsto para o início e fim dos programas e das ações a desenvolver; que o cumprimento do efetivo
superior interesse da criança esteja sempre, mas sempre, no centro da intervenção.
Aplausos do PS.