13 DE JANEIRO DE 2017
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A Europa enfrenta a maior crise de confiança cívica após a II Guerra Mundial. Esta crise materializa-se em
constantes e elevadas abstenções eleitorais, num clima crescente de desconfiança na classe política, mas
também na descrença do atual paradigma de desenvolvimento. Estamos em crise e o aumento do nacionalismo
e do populismo é real, é factual e está a vencer nas urnas.
Mas, perante estes perturbadores sinais de descontentamento cívico, que exemplo promovemos nós com a
ausência de debate em torno dos acordos transnacionais? O CETA, que será votado a 13 de fevereiro no
Parlamento Europeu, dá corpo a este sentimento generalizado. Que debate fizemos fora destas portas para
explicar estes tratados? Aliás, que debate fizemos dentro destas portas? E que espaço tem havido para receber
os contributos dos cidadãos e das organizações não-governamentais sobre este tema?
Sr.as e Srs. Deputados: Temos dado apenas sinais de que existe uma classe política dominante que não
ouve, que não vê e que foge constantemente ao debate e à mudança. É que, independentemente das posições
políticas aqui expressas sobre o CETA, o TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) ou mesmo o
TiSA (Trade in Services Agreement), temos o dever político, mas sobretudo cívico, de sermos mais
transparentes e inclusivos ao debater que futuro queremos para Portugal e para a Europa. Para inverter a
decadência europeia há que inverter o modo como fazemos política.
O PAN diz sim ao debate, sim à participação, sim ao esclarecimento e sim à informação. E dizemos não ao
CETA, não ao TTIP e não ao TiSA.
Aplausos de Deputados do BE e do PCP.
O Sr. Presidente (José de Matos Correia): — Para uma intervenção, em nome do Bloco de Esquerda, tem
a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda saúda, em primeiro
lugar, os peticionários e esta petição, que tem mais de 4000 assinaturas, bem como a sociedade civil, que se
tem empenhado nesta causa. Além da petição que hoje aqui discutimos, existem outros exemplos desse mesmo
empenho, como sejam os municípios livres do TTIP e do CETA, Évora, Loulé, Loures, Mértola, Palmela e, esta
semana ainda, Faro.
Num tema de facto tão importante, com consequências tão graves para o País e para a Europa, ainda há
quem trabalhe no sentido de acentuar essas mesmas consequências, numa tentativa de abrir o debate à
sociedade, como deveria ter sido feito há mais tempo, e isso também é de saudar.
Importa realçar que a contestação ao Acordo tem vindo a aumentar, não só por parte de organizações não-
governamentais, mas também de organizações mais institucionais que têm vindo a emitir pareceres negativos
sobre as consequências do Acordo — a CGTP, a DECO, a Comissão Nacional de Proteção de Dados,
organizações ambientais e agrícolas, entre outras.
Da parte do Bloco de Esquerda, muito temos vindo a assinalar como preocupante neste Acordo, desde o
início do seu processo: questões ambientais, questões da segurança alimentar, desregulação agrícola,
desregulação das relações laborais, desproteção dos cidadãos e consumidores europeus, criação de um
mecanismo legal que permite a empresas e investidores processar Estados, entretanto designado por ICS
(Investment Court System). Enfim, uma miríade de áreas que são afetadas diretamente por este Acordo e que
não têm tido, a nosso ver, a reflexão necessária, muito menos a crítica necessária.
A título de exemplo, uma das partes do CETA mais criticadas a nível europeu é esse mesmo mecanismo, o
mecanismo ICS de regulação de conflitos entre investidores e Estados, porque, de facto, representa uma afronta
brutal à democracia e à capacidade legítima de regulação e políticas públicas, mas também tem merecido uma
crítica mais jurídica de incompatibilidade com o ordenamento jurídico nacional e europeu — veja-se, por
exemplo, o parecer da Associação Europeia de Juízes.
O Sr. Jorge Duarte Costa (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Isto leva-nos a uma questão fundamental neste debate que, apesar de já vir
tarde, não pode passar ao lado de nenhum Deputado nem de nenhuma Deputada e que tem a ver com os
serviços públicos. No meio de todas as consequências prejudiciais para a saúde, para o ambiente, para a