2 DE FEVEREIRO DE 2017
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O Sr. Presidente: — Para a última declaração política, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a
palavra o Sr. Deputado Carlos Matias.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Terminou ontem o período de debate
público do pacote florestal apresentado pelo Governo.
A importância da floresta não decorre apenas da sua muito significativa dimensão em área, mas também da
sua relevância ambiental, económica e social. O confronto com as realidades adversas da nossa floresta não
pode dar origem a uma qualquer incapacidade para transformar o quadro a que se assiste, um quadro de
progressiva degradação.
As vagas de incêndios que têm assolado o País, com fogos de dimensão crescente, em área e em tempo,
têm levado a uma resposta imediatista, concentrada no combate direto aos fogos florestais em detrimento da
prevenção, do ordenamento e da gestão da floresta.
A aprovação do Decreto-Lei n.º 96/2013, o RJAAR (Regime Jurídico para Ações de Arborização e
Rearborização) pelo Governo anterior veio agravar as condições para a expansão do risco na floresta, através
da chamada liberalização da plantação do eucalipto. Consequentemente, houve um aumento da área do
eucaliptal no território, agravando assim o risco potencial, sendo esta uma situação que contraria de forma
evidente o sentido da Lei de Bases da Política Florestal, uma fotografia da floresta, a negro, com o PSD e o
CDS-PP em grande plano.
As razões pelas quais, ao fim de 20 anos de vigência de uma Lei de Bases da Política Florestal, a situação
na floresta portuguesa permanece próxima do caótico devem ser encontradas no desinteresse pelo
ordenamento e pela gestão florestais e na preferência por uma liberalização, que conduz a uma opção cada vez
mais única, centrada no eucalipto.
O Decreto-Lei n.º 124/2006, que institui o sistema nacional de proteção e prevenção da floresta contra
incêndios, nunca teve condições objetivas para ser cabalmente aplicado. Por exemplo, nunca foi concretizada
a exigência das ações de arborização e rearborização florestal não poderem dar origem a uma mancha contínua
da mesma espécie florestal superior a 50 ha. Confrontados com a realidade, sabemos hoje, 11 anos depois da
promulgação do conhecido Decreto-Lei n.º 124/2006, que continua a não ser essa a situação da floresta no
território nacional.
Nas propostas de pacote florestal apresentado pelo Governo a anunciada proibição do aumento da área de
eucalipto não tem uma correspondência legislativa que assegure esse objetivo.
Afinal, perguntamos: que instrumentos é que passam a existir para impor com eficácia que as manchas
florestais contínuas, da mesma espécie, não ultrapassem os 50 ha?
Que medidas são apresentadas para uma limitação na plantação de espécies de elevada inflamabilidade? E
que medidas estão previstas para o apoio efetivo e eficaz à plantação de espécies autóctones?
Que coerência existe entre uma política de contenção da expansão do eucalipto se, ao mesmo tempo, se
abre uma generosa linha de apoio financeiro à indústria da celulose, para apoio na plantação de eucalipto, na
ordem dos 18 milhões de euros?
A questão essencial na área da floresta, Sr.as e Srs. Deputados, é a capacidade de organização dos
pequenos produtores florestais, que são a estrutura principal da nossa floresta, de modo a promover a sua
gestão profissional e rentável. A proposta que o Governo adianta, de sociedades de gestão florestal, em vez de
criar mecanismos que garantam essa organização dos pequenos produtores, conferindo-lhes capacidade de
decisão, abre as portas à intervenção de grande produção, dominada pela indústria da celulose, e a fundos
financeiros que olharão para a floresta apenas numa perspetiva de dominação sobre a pequena propriedade,
com a agravante de lhe atribuir benefícios fiscais.
As medidas propostas pelo Governo, que preveem as sociedades de gestão florestal, não respondem às
necessidades da floresta. Sobretudo onde predomina a pequena propriedade, essas medidas virão a contribuir
para uma concentração das propriedades através de sociedades privadas, pelo confisco das pequenas
explorações quer pelo apelo à sua venda, com isenções de IMT (imposto municipal sobre a transição onerosa
de imóveis) e redução de IRS (imposto sobre o rendimento de pessoas singulares), quer pelo mecanismo que
prevê aquilo que denomina de «terras sem dono», e também não nos parece bem a isenção ou a redução do
IRC (imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas).