I SÉRIE — NÚMERO 97
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Será aceitável que uma cadeia de hotéis de luxo despeça trabalhadores do quadro e subcontrate
trabalhadores, através de empresas de trabalho temporário, para realizar exatamente o mesmo trabalho, que
de temporário não tem nada mas, sim, de funcionamento diário, como tem acontecido no Hotel Ritz, em Lisboa?
Será aceitável que os grupos económicos do setor da energia, das telecomunicações, praticamente não
tenham trabalhadores no quadro e subcontratem através de empresas de trabalho temporário os trabalhadores
que todos os dias lhes «amassam» os lucros, no apoio ao cliente, na faturação, no sistema de avarias, como
nos call center da EDP, onde existem trabalhadores nestas condições há mais de 25 anos?
Não, Srs. Deputados, não é aceitável e a opção por estas formas de precariedade têm apenas uma
justificação: pagar salários mais baixos e com menos direitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a precariedade não é de hoje nem de ontem, mas nos últimos anos conheceu
agravamentos inquestionáveis.
Um estudo, recentemente divulgado pelo Observatório sobre Crises e Alternativas do CES (Centro de
Estudos Sociais) e da Universidade de Coimbra, confirma o que os dados do INE e de outras fontes já vinham
apontando: a recuperação do emprego está a ser feita com uma maior generalização da precariedade.
Apesar da criação do emprego não ser ainda suficiente para recuperar os valores anteriores a 2008, o peso
dos contratos sem termo a tempo inteiro nos novos contratos não chega a 20%, em 2015.
Apesar de uma evolução positiva no último ano e meio, os contratos efetivos continuam a representar,
apenas, um terço das novas contratações. O restante corresponde a vários tipos de contratos precários e uma
parcela marginal a trabalhadores contratados a tempo parcial.
Do universo de contratos em vigor e que foram assinados depois de novembro de 2013, mais de metade são
precários, a termo certo 45% ou a termo incerto 18,4%.
Os dados sobre as remunerações mostram que os salários dos trabalhadores com contratos precários são,
em média, de 600 €, um valor que se aproxima mais do salário mínimo nacional quando se trata de trabalho
temporário.
Na verdade, Sr. Presidente, Srs. Deputados, pelas piores razões estes dados não são surpreendentes. Este
é o resultado de sucessivas alterações à legislação laboral. Pagar menos por mais trabalho e menos direitos foi
o verdadeiro objetivo de sucessivas alterações às leis laborais sempre feitas para pior, em particular da anterior
alteração promovida por PSD e CDS, em 2012.
É este o objetivo que está na base da estratégia de substituição de trabalhadores com direitos por
trabalhadores sem direitos. A exceção transformou-se em regra e a precariedade na realidade de todos os dias:
contratos a prazo, falsos recibos verdes, trabalho temporário, outsourcing, estágios profissionais, bolsas de
formação e investigação, contratos de emprego e inserção.
Isto porque o que alguns apresentam e anunciam como reformas de sucesso é a instabilidade e o
empobrecimento de milhares de trabalhadores no nosso País. E não há como esconder e iludir: a precaridade
de muitos representa os lucros escandalosos de alguns. Veja-se o caso da PT, da EDP, da SONAE, da Jerónimo
Martins, da NOS, da Vodafone, entre outros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é de elementar justiça garantir que a um posto de trabalho permanente
corresponde um vínculo efetivo. A alternativa ao desemprego não é a precaridade mas o emprego com direitos,
e o combate à precariedade deve ser colocado ao nível do compromisso do Estado, como se fez no passado
com a erradicação do trabalho infantil.
Por isso mesmo, hoje, o PCP apresenta propostas de combate efetivo á precaridade: facilitar o
reconhecimento do contrato de trabalho e reforçar os direitos dos trabalhadores, invertendo o ónus da prova;
reduzir as situações em que é possível recorrer à contratação a termo; distinguir os contratos especiais de muito
curta duração; aumentar o período em que a entidade patronal fique impedida de proceder a novas admissões
através de contrato a termo ou temporário para as mesmas funções desempenhadas, impedindo a substituição
de trabalhadores para necessidades permanentes; reduzir a duração do contrato a termo certo e incerto para o
máximo de três anos, incluindo renovações, não podendo ser renovado mais do que duas vezes; impedir o
recurso a empresas de trabalho temporário e garantir a contratação com direitos quando se trata de
necessidades permanentes da empresa a quem é prestado o serviço; penalizar, através de sanções
económicas, fiscais e contributivas, as entidades patronais que recorram a formas de contratação precária.