I SÉRIE — NÚMERO 1
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Rejeitamos o CETA e os demais acordos livres de comércio. Afastamo-nos completamente da posição
assumida pelo Governo português de aceitação de mais esta imposição da Comissão Europeia e, por isso,
apresentamos uma iniciativa legislativa que rejeita a aprovação para ratificação do CETA entre a União Europeia
e o Canadá.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Encontramo-
nos hoje na última ocasião possível de debate público sobre o CETA e o Bloco de Esquerda não pode deixar de
lamentar que assim seja, pois não se conhece ainda o estudo de impacto para Portugal, as negociações durante
anos foram bastante blindadas à opinião pública, não se tiveram em conta as contestações e os alertas dados
por várias organizações, sindicatos e até alguns governos e, essencialmente, não se ouviram os cidadãos e
cidadãs.
Hoje voltamos ao tema em Plenário, mas tal não significa, está bem longe disso, que se possa afirmar, aqui,
que houve um debate público alargado e que tenha chegado ao conhecimento das pessoas o que está em
causa, porque isso, pura e simplesmente, não corresponde à verdade.
Estes processos, infelizmente, sempre foram assim. A União Europeia tem-se pautado por processos pouco
ou nada democráticos e o argumento que agora se utiliza da tentativa de regular a globalização é, em especial
neste caso, um falso argumento, porque ele serve para esconder aquilo que realmente está em causa: o
favorecimento das grandes corporações.
Estamos perante uma nova geração de acordos comerciais — este é apenas o primeiro que está prestes a
ser concretizado — que não são mais apenas acordos comerciais, são acordos comerciais e de investimento,
altamente complexos, que dão um poder demasiado elevado às multinacionais e retiram, efetivamente, aos
Estados poder de decisão política em prol dos cidadãos, como já aqui foi referido.
Não podemos deixar de nos focar, no entanto, no elemento mais gravoso deste acordo, que é também alvo
daquilo que será a ratificação por parte dos parlamentos nacionais e que é o mecanismo arbitral de resolução
de litígios, tema este sobre o qual os parlamentos nacionais se pronunciam e percebe-se porquê. Porque, na
verdade, é um modelo que permite a desaplicação do direito interno, seja ele nacional ou europeu, colocando
em risco até o princípio do Estado de direito democrático vertido no artigo 2.º da Constituição da República
Portuguesa, e também porque rejeita o princípio dos tribunais enquanto órgãos de soberania do Estado, também
previsto na nossa Constituição.
Isto acontece, muito simplesmente, porque se pretende criar um tribunal privado, o que coloca em causa a
própria natureza pública da justiça, que se irá reger pelo próprio acordo e não pelo direito nacional ou europeu
e, portanto, estamos perante uma espécie de pescadinha de rabo na boca: estamos perante um tribunal que é
autossuficiente, que é criado por um acordo e que se rege pelas regras desse mesmo acordo sem responder a
mais nenhuma legislação, seja ela nacional ou europeia.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Portanto, está também longe do escrutínio público e é desequilibrado, pois, nesta
suposta balança, o poder está todo colocado do lado dos investidores e os alertas, Sr. Secretária de estado, têm
sido dados, nomeadamente pela Associação Nacional de Juízes Portugueses, pela Associação Europeia de
Juízes, pelos magistrados do Ministério Público, pela própria associação de juízes alemã, pela jurisdição do
Tribunal de Justiça Europeu sobre tribunais arbitrais.
Não faltam alertas sobre este mecanismo e sobre o perigo que este mecanismo representa para a
democracia e atente-se também ao processo que decorre ainda hoje contra o Governo canadiano, que assenta
exatamente em premissas que dizem muito à nossa Constituição, nomeadamente o princípio da igualdade mas
também do acesso ao direito e à tutela jurisdicional.
Sr.as e Srs. Deputados, infelizmente, até hoje não foi dada a atenção merecida a este acordo, que abre um
precedente para novos acordos que se avizinham, nomeadamente com o Japão.