I SÉRIE — NÚMERO 69
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É demasiado cedo para se desprezar este importante efeito da autonomização da violência doméstica, ou
das suas vítimas, em qualquer diploma legal e, por isso, não acompanhamos esta opção.
A segunda questão prende-se com aquilo que continua a ser, na nossa perspetiva, um entendimento redutor
do conceito de vítima, em especial à luz do que impõe a Convenção de Istambul. A redução do âmbito de
compreensão de um conceito, neste caso do conceito de vítima, tem como consequência diminuir o nível de
proteção, que se pretenderia aumentar ou aprofundar.
Em terceiro lugar, não se compreende a inversão do mecanismo de reconhecimento automático da
necessidade de as vítimas receberem uma compensação financeira, que consta do atual regime, para a sua
sujeição a um procedimento de avaliação para determinar se a vítima terá ou não terá direito a receber alguma
compensação financeira. A necessidade de se averiguarem condições objetivas, como, por exemplo, a
existência ou não de carência económica, não pode passar pela averiguação das condições que estão previstas
no artigo 17.º desta proposta de lei. Estes critérios são vagos, subjetivos, e abrem a porta à discricionariedade
e ao juízo moral por parte de quem terá a responsabilidade de decidir.
Também nos parece, já aqui foi referido, que o alargamento das funções da Comissão implicaria reconhecer
a necessidade de outros meios e de outras competências para o exercício dessas funções, coisa que esta
proposta de lei não faz.
Concluindo, e não obstante a bondade desta proposta naquilo que é o objetivo de aprofundamento dos
direitos das vítimas de crime, parece-nos que, nos termos em que está construída, acaba por ter o efeito
contrário. Consideramos que esta proposta de lei tem espaço para ser trabalhada e para ser melhorada em sede
de especialidade e esperamos, por isso, que exista a abertura necessária para que tal aconteça.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Sara Madruga da
Costa.
A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:
Em primeiro lugar, quero saudar todos aqueles que, de alguma forma, contribuem para a melhoria das condições
das vítimas de crimes, em particular a Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes e a Associação Portuguesa
de Apoio à Vítima, que têm feito um trabalho notável, com os meios técnicos e financeiros que possuem, e
contribuído para que cada vez mais vítimas de violência doméstica e de crimes violentos sejam, efetivamente,
apoiadas.
Mesmo assim, ainda existem muitas vítimas por apoiar e atrasos bastante consideráveis. Por isso,
consideramos que o que é fundamental é melhorar o sistema de proteção das vítimas, torná-lo mais célere e
aumentar as verbas e os recursos disponíveis para que nenhuma vítima fique de fora.
Sr.as e Srs. Deputados, é por isso que não conseguimos compreender esta opção do Governo, naquilo que
parece ser uma tentativa de milagre de multiplicação. Não conseguimos perceber como pretende o Governo
fazer mais com os mesmos recursos, abranger mais tipos de crimes, abranger mais vítimas e correr assim o
risco de piorar a resposta e aumentar os atrasos.
Sr.as e Srs. Deputados, numa matéria tão sensível e importante como a presente recomenda-se prudência,
mais ainda quando a maior parte das entidades ouvidas neste processo legislativo criticam as alterações
propostas e arrasam com o Governo.
Sr.as e Srs. Deputados, as inconsistências são tantas que o tempo de intervenção não me permite identificar
todas. Fico-me, desde já, com a incompreensível lógica de monopólio que atribui à mesma entidade a
competência para instruir e decidir os pedidos de indemnização às vítimas e, simultaneamente, para avaliar e
decidir a atribuição de financiamento de projetos a entidades privadas que promovam os direitos e a proteção
das vítimas de crimes; ou, por exemplo, pela inversão da lógica e da natureza de um órgão colegial, quando se
atribuem poderes limitados ao Presidente de Comissão.
Sr.as e Srs. Deputados, não nos revemos, por isso, neste modelo. Não nos revemos no modelo que sugere
aos tribunais e ao Ministério Público o que fazer e que interfere na separação de poderes.
Sr.as e Srs. Deputados, não acreditamos em milagres, muito menos em milagres de multiplicação. Não
acreditamos que com os mesmos recursos e com os mesmos meios se possam apoiar mais vítimas de crimes.