I SÉRIE — NÚMERO 77
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as ideias são mais fortes do que as balas, do que o preconceito e do que a opressão. Podem matar um homem
ou uma mulher, mas nunca as suas ideias.
Se os democratas brasileiros chamam por nós, resta-nos uma resposta: País de Abril, presente! Não vos
viramos as costas e nenhum golpe antidemocrático passará sem a nossa denúncia.
Aplausos do BE e de Deputados do PS.
Sr. Presidente, cresci na democracia que despertou com estrondo numa madrugada de Abril e que
celebramos com o cravo vermelho que, com orgulho, trazemos ao peito. É dessa forma que quero saudar os
Capitães de Abril, que abriram as portas da Revolução, e quem nunca deixou de lutar pela nossa liberdade.
A democracia que recuperou a República construiu o Estado social, garantia da solidariedade e da igualdade
que Abril idealizou.
Na geração dos filhos de Abril, «somos todos SNS». O Serviço Nacional de Saúde é dos maiores manifestos
à liberdade e à igualdade da sociedade portuguesa: acolhe e trata da mesma forma ricos e pobres, empregados
e desempregados, refugiados ou membros do Governo. Em pouco mais de quatro décadas, projetou o País de
elevadas taxas de mortalidade infantil para os melhores indicadores da saúde mundial.
Por isso, queremos que a sua segurança, a sua filosofia solidária e o seu indiscutível modelo de sucesso
sejam a regra nas áreas onde nos sentimos desprotegidos e desprotegidas e rejeitamos a caricatura que o
transforma num alçapão para negócios privados. Nasci num hospital público, estudei numa escola pública e
licenciei-me numa universidade pública. São esses os ombros de gigante com que nos tornamos e conseguimos
ir mais longe.
A minha geração não é ingrata, mas não cai na ingenuidade. Percebemos como, troica sim troica não, a ideia
da Constituição de Abril da «construção de um País mais livre, mais justo e mais fraterno» vai sendo
reinterpretada, alterada e mesmo atacada.
Sou filha da Revolução que consagrou a igualdade, mas, na minha geração, as mulheres ainda ganham
menos 16,7% do que os homens — é como se trabalhássemos de graça, na prática, dois meses por ano —, o
assédio sexual faz parte do quotidiano de todas as mulheres e meninas e, enquanto a violência doméstica é o
crime que mais mata em Portugal, a justiça continua a faltar nas salas dos tribunais onde as hediondas
sentenças nos insultam a todas.
Aplausos do BE e de Deputados do PS.
Na minha geração, ainda existe um racismo de que não se fala mas que marca com brutalidade o quotidiano
de quem não tem o privilégio branco.
Foi à minha geração que exigiram que pagasse para poder ir à universidade e que condenaram a uma vida
precária, a que chamaram de flexibilidade. Insistem que somos a geração mais formada de sempre, mas a
propaganda, como as boas intenções, nunca se vê no recibo de vencimento. Vendem-nos promessas de
empreendedorismo em inglês, mas isso só se traduz em «conhecimento top», «salário low-cost», «precariedade
non-stop».
O meu percurso foi o de milhares de outros jovens cujos sonhos foram aprisionados por um call center, onde
a pressão e o abuso são a regra. Pedem-nos para «vestir a camisola» da empresa, mas rejeitam colocar o
símbolo no contrato de trabalho. O patrão, esse, é sempre uma empresa de trabalho temporário que nos
extorque parte do salário.
A globalização não trouxe as prometidas novas oportunidades. Diziam que era o caminho para novos direitos,
uma cidadania global, uma democracia reforçada, diziam que essa globalização era a outra face da União
Europeia, espaço de coesão e participação, mas era tudo fake news.
Não queremos e não quero um regresso ao passado, porque isso é a precariedade do presente. Não
queremos e não quero um País fechado, porque para isso já basta a União Europeia. Quero um País aberto à
Europa e ao mundo, que se solidariza com os povos e as suas lutas emancipatórias, que acolhe os que fogem
da guerra, da fome e da miséria, que protege os seus dos achaques dos mercados financeiros e da predação e
arrogância das multinacionais. Em suma, um País governado pela ideia da sua Constituição, a Constituição de