I SÉRIE — NÚMERO 2
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A natalidade não é um debate setorial que fazemos para picar o ponto parlamentar, nem se resolve com mais
uma comissão, um gabinete, um debate. Ela, na verdade, atravessa todas as nossas escolhas de política
pública, que aqui fazemos todos os dias.
O debate sobre a natalidade é o debate que fazemos quando discutimos os serviços públicos, a necessidade
de uma infraestrutura de cuidados ou, por exemplo, a integração de uma rede pública de creches como parte
do serviço de educação, da Lei de Bases do Sistema Educativo, da resposta pública.
É o debate que fazemos quando discutimos as leis do trabalho e o combate à precariedade, que mina, que
obstaculiza, que impede que as pessoas projetem o seu futuro.
É o debate que fazemos quando falamos da necessidade de valorizar salários, que são uma condição de se
viver dignamente.
É o debate que fazemos quando discutimos as políticas na área da habitação e a necessidade de uma
resposta pública face à evidente escassez de oferta, face à especulação dos preços das rendas, nomeadamente
nos centros das grandes cidades, face à precariedade habitacional.
É o debate que fazemos quando discutimos — e discutimo-lo há tão pouco tempo — as licenças parentais,
não apenas a sua duração, mas também o seu valor e o modo como promovem, ou não, a igualdade de género.
É o debate que fazemos quando discutimos os horários, nomeadamente os horários de trabalho e a sua
redução.
É o debate que fazemos quando, na discussão da regulação do trabalho, reivindicamos mais tempo para
viver ou formas de descolonizar o tempo pessoal, que é hoje invadido por solicitações permanentes,
nomeadamente por via da incursão patronal, através das novas tecnologias, no tempo pessoal dos
trabalhadores.
Sr.as e Srs. Deputados, o debate demográfico é, também, o debate que fazemos, por exemplo, sobre políticas
de acolhimento de todas as crianças que vivem em Portugal, nomeadamente das crianças migrantes.
É nas escolhas concretas em cada uma destas políticas públicas que contribuímos, ou não, para que as
pessoas possam realizar os seus projetos pessoais e os seus projetos familiares.
Desse ponto de vista, parece-nos francamente que precisamos de menos proclamações e menos apelos
morais e de mais políticas públicas e laborais que sejam amigas das crianças e de quem as cuida. É para esse
debate que certamente somos convocados.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Então, está de acordo connosco!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do PEV, para uma intervenção.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes consideram que o tema da natalidade e da demografia é de extrema importância. Já muito se disse sobre a transversalidade desta questão,
sobre o facto de as propostas eficazes de apoio às famílias portuguesas passarem pelo acesso à educação, à
saúde, com o direito de todos a terem médico de família, ao transporte público gratuito até aos 18 anos e,
sobretudo, aos direitos laborais.
Os discursos de preocupação com a natalidade não passarão de palavras vãs se os portugueses não tiverem
segurança para dar o passo de ter filhos, mesmo que queiram e tenham o sonho de formar família. É aceitável
que quem viva na precariedade, sem saber o dia de amanhã, sem garantias e segurança, não consiga assumir
ter a seu cargo a responsabilidade de criar um filho? É legítimo que quem sobrevive com o salário mínimo atual
e já faz um esforço enorme para chegar ao fim do mês com todas as despesas pagas decida não ter um segundo
filho, mesmo que seja esse o seu desejo? É compreensível que quem enfrenta o desemprego, que, nos próximos
tempos, será cada vez maior, não seja capaz de sonhar com a constituição de uma família?
Aos portugueses, é necessário devolver-lhes rendimentos, condições de vida, direitos, estabilidade e
segurança para que não tenhamos de enfrentar repercussões graves com a diminuição real da população ativa,
que arrasta consigo sérios problemas para o Estado e para a sociedade.