18 DE DEZEMBRO DE 2020
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Em relação ao facto de a pandemia impactar mais as mulheres do que os homens em muitos aspetos,
estamos de acordo, mas não concordamos com este sinalizar de virtudes que em nada contribui para resolver
o que quer que seja.
Não nos oporemos a este projeto de resolução, porque é inócuo, mas, quando o PS quiser discutir o problema
a fundo, a Iniciativa Liberal aqui estará disponível para o fazer.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Sandra Cunha.
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): —Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: As mulheres partem para qualquer crise já em situação de desvantagem. Sabemos bem que elas são a maioria das vítimas de violência
doméstica e sexual, são mais precárias, estão sobrerrepresentadas nas profissões mais mal pagas e, por isso,
são as mais vulneráveis à pobreza e à exclusão social. São as que acumulam o trabalho fora de casa com as
tarefas domésticas e os cuidados com os filhos. São minoritárias nos cargos de liderança, mesmo em setores
onde sejam a maioria dos trabalhadores. Estão sub-representadas nos cargos políticos. Em 46 anos de
democracia, tivemos perto de 500 ministros, mas menos de 40 ministras. Nas autarquias, somos 30% e neste
Parlamento somos apenas 40%. Esta é uma realidade bem conhecida e bem documentada.
Também sabemos que esta pandemia, pelas suas especificidades, traz consequências a nível económico e
social absolutamente devastadoras e que as desigualdades estruturais de género preexistentes se reconfiguram
e se agravam. Por isso, os impactos penalizam de forma desproporcional as mulheres.
Esta análise, que o projeto de resolução do PS também faz, é certeira.
São também as mulheres que estão na linha da frente do combate à pandemia e nos setores mais afetados
pela crise, tanto a nível sanitário, como a nível económico: na saúde, nas escolas, nos cuidados, no comércio e
nos serviços domésticos.
O relatório da Organização Internacional do Trabalho mostra que Portugal foi o País europeu que registou,
neste período, maiores perdas na massa salarial, sobretudo para as mulheres. Entre o primeiro e o segundo
trimestre de 2020, os salários das mulheres caíram 16%, muito mais do que para os homens. Foram elas as
mais afetadas pelo teletrabalho, pelo layoff e pela perda de emprego.
O projeto de resolução que o Partido Socialista traz, como já disse, faz esta análise muito bem feita e é uma
iniciativa bonita, mas tem alguns problemas.
Em primeiro lugar, entende as mulheres como uma categoria universal e ignora o facto de que as mulheres
não são todas iguais, sendo umas ainda mais penalizadas do que outras, como as que apanham autocarros
apinhados de gente, às 6 horas da manhã, para virem limpar este edifício e outros do País por um salário de
miséria, as que vivem em bairros sem condições de habitabilidade, as imigrantes e as racializadas que trabalham
tantas vezes sem direitos.
Depois, propõe uma série de intenções para diminuir as desigualdades de género, mas esquece-se do
fundamental. É que, para diminuir as desigualdades de género, importava não ter deixado as trabalhadoras do
comércio, dos restaurantes, dos bares, da cultura e as trabalhadoras informais nove meses entregues à sua
sorte, ou com apoios que, não passando de adiantamentos e de empréstimos, não foram capazes, como os
dados vêm agora mostrar, de travar a perda de emprego e de rendimentos.
Importava ter a coragem política de garantir um salário mínimo digno neste País, que não deixasse nenhuma
trabalhadora cair na pobreza. Como disse uma das autoras do relatório da Organização Internacional do
Trabalho, «salários mínimos adequados podem proteger os trabalhadores e as trabalhadoras de baixos salários
e reduzir as desigualdades». Parece-me óbvio.
O Bloco de Esquerda vai votar favoravelmente este projeto, porque a intenção é boa, mas importa que fique
claro que reduzir as desigualdades de género agravadas por uma crise deste tipo não se consegue com
intenções, mas sim com ação, passando por garantir o trabalho e o salário, por tirar as pessoas da pobreza e
por não deixar que mais nenhuma caia nela.
O PS do Parlamento pode até ter esta intenção. Era bom que o PS do Governo também a tivesse.
Aplausos do BE.